Em assembleias, docentes decidem os rumos das greves nas universidades estaduais do Ceará

Publicado em 09 de Maio de 2024 às 17h16. Atualizado em 09 de Maio de 2024 às 17h26

Instalação de mesa de negociação e elaboração de proposta construída em uma reunião conjunta entre dirigentes sindicais, governo e parlamentares do Ceará representaram um avanço em um cenário de criminalização

Docentes da Uece, Urca e UVA participaram de ato conjunto no dia 1 de maio. Foto: Sinduece SSind.

As e os docentes das universidades Estadual do Ceará (Uece), Regional do Cariri (Urca) e Estadual do Vale do Acaraú (Uva) deliberaram em assembleias, realizadas nos dias 2, 3 e 6 de maio, respectivamente, os rumos das greves deflagradas no início de abril.

De braços cruzados desde 4 de abril, docentes da Uece aprovaram, na assembleia realizada em 2 de maio, pela continuidade da greve, com 82,74% dos votos, e a rejeição da proposta (mais detalhes abaixo). Já na assembleia da Sindurca SSind, na sexta (3), 75% dos 130 docentes presentes votaram pela suspensão da greve e aceite da proposta, enquanto na Sindiuva SSind a categoria decidiu, nessa segunda-feira (6), pela continuidade da greve, com 86% dos votos das e dos presentes.

A proposta 
No último dia 30 de abril, representantes das três seções sindicais do ANDES-SN nas Universidades Estaduais do Ceará – Sinduece SSind, Sindurca SSind e Sindiuva SSind – e da Regional Nordeste I do Sindicato Nacional participaram de reunião com membros do governo do Ceará, para elaborar uma proposta conjunta para resolução da greve docente. O encontro contou, ainda, com a participação do secretário-executivo de Articulação Política do estado do Ceará, Miguel Braz, e dos deputados estaduais Guilherme Sampaio e Missias Dias, indicados pelo governo estadual.

Após uma longa reunião, a princípio o governo não deu nenhuma abertura para a possibilidade de um ganho nos vencimentos de imediato, nem tampouco um incremento salarial que pudesse recompor as perdas inflacionárias dos anos anteriores, em um cronograma a ser cumprido após a greve. As e os dirigentes sindicais propuseram várias possibilidades, com diversos caminhos plausíveis, mas não houve avanço neste ponto.

Os avanços financeiros possíveis ocorreram na proposta de um abono único, a ser pago em dezembro de 2024, além da possibilidade de promoção à classe de professor Titular, a partir do ano de 2026. Atualmente, a única possibilidade de isso ocorrer seria via concurso público de provas e títulos, a exemplo de como ocorria nas carreiras federais até 2012. Na prática, esse enquadramento na carreira significa um ganho salarial de 10% dentro do Plano de Cargos, Carreiras e Vencimentos (PCCV). 

Docentes da Uece rejeitam proposta e decidem pela manutenção da greve. Foto: Sinduece SSind.

A proposta elaborada avançou ainda com a aprovação do envio de um Projeto de Lei (PL) que trata das ascensões funcionais – alterando a Lei Estadual nº 14.116/2008 –, com objetivo de dar mais segurança jurídica ao processo de progressão funcional das servidoras e dos servidores integrantes do grupo ocupacional do magistério superior das universidades estaduais. O texto deste PL foi acordado entre as seções sindicais, a Secretaria da Ciência, Tecnologia e Educação do Ceará (Secitece) e a Procuradoria-Geral do Estado (PGE). 

Além disso, a proposta prevê a ampliação de 25% no número de cargos existentes no Grupo Ocupacional Magistério Superior e a pactuação dos reitores na identificação das prioridades relacionadas à infraestrutura das universidades, que as enviarão ao governo para alocação de orçamento necessário aos investimentos fundamentais para sanar as demandas. Por fim, o governo se comprometerá, diante desta proposta conjunta, a estabelecer um diálogo diretamente com o movimento estudantil para tratar das pautas da assistência estudantil, com reuniões agendadas para o dia 15 de maio com representações estudantis das três Instituições. 

Ficaram de fora desta proposta o cumprimento da data-base e o índice de 35,7%, para recomposição salarial das perdas inflacionárias, que constam da pauta de reivindicações da greve docente, e dizem respeito ao conjunto do funcionalismo estadual. 

A proposta conjunta delineada no último dia 30 é resultado de outras duas reuniões de mediação realizadas previamente. É também um desdobramento de uma reunião que representantes das seções sindicais tiveram com o governador do Ceará, Elmano de Freitas (PT), no dia 25 de abril, em uma reviravolta na negociação, já que, num primeiro momento, Elmano de Freitas afirmara que não negociaria com grevistas.     

Contudo, esta proposta é principalmente fruto de muita luta e mobilização das e dos docentes das três universidades, que deflagraram a greve há mais de um mês: Uece e Urca, no dia 4, e UVA, em 8 de abril. 

Criminalização
A negociação ficou marcada por um contexto de criminalização do movimento, desde o seu início. Em ato realizado no último dia 17 de abril, em Fortaleza (CE), as seções sindicais das universidades do Ceará denunciaram o cerceamento ao direito de greve das e dos docentes e condenaram a aplicação de multas às seções sindicais do Ceará e às e aos dirigentes. Além disso, criticaram a solicitação do governo para que o Ministério Público do Ceará (MP-CE) investigasse as e os dirigentes por crime de desobediência. 

À época, inclusive, o ANDES-SN publicou uma nota orientando que docentes de todas as seções sindicais do ANDES-SN denunciassem a truculência e a criminalização do movimento sindical no Ceará. 

A manifestação ocorreu em frente à sede administrativa do governo do Ceará, em parceria com o Sindicato dos Trabalhadores na Área de Trânsito do Ceará (Sindetran/CE), cuja base também entrara em greve.

Na ocasião tentou impedir a mobilização, bloqueando inicialmente o carro de som, liberado somente após a intervenção do deputado estadual Renato Roseno (PSol/CE). Além disso, a polícia também tentou barrar os ônibus vindos do interior e do campus Itaperi (Uece), realizando revistas e solicitando documentação.

Em assembleia, docentes da Urca aprovam fim da paralisação. Imagem: reprodução de vídeo/Sindurca SSind

Avaliação das assembleias
“O fato de representantes das seções sindicais terem se reunido com o governador do Ceará e estabelecido uma mesa de negociação, para debate da proposta conjunta com representantes indicados pelo governo e parlamentares, já representa uma vitória para o movimento, especialmente nesse contexto de criminalização”, afirmou a 1ª vice-presidenta do ANDES-SN e docente da Uece, Raquel Dias.

Ainda que as assembleias tenham considerado esta proposta insuficiente, até mesmo a da Sindurca SSind. que deliberou pela suspensão da greve, Raquel salienta que a mobilização conseguiu arrancar esses avanços, em um cenário muito adverso. “O movimento vai continuar na luta pela retirada total dos processos de criminalização e para apresentar uma contraproposta a partir de todo o acúmulo feito até aqui”, declarou.

Para o presidente da Sinduece SSind, Nilson Cardoso, embora a proposta construída na reunião do dia 30 não apresentasse um ganho salarial de imediato, a possibilidade de ascensão na carreira foi um grande avanço. “A ascensão para a classe titular permite que toda a categoria que está na ativa possa alcançar este nível, a partir de 2026”, ponderou Nilson. 

Entretanto, a maioria das e dos docentes presentes na assembleia da Sinduece SSind. não viu nesta proposta um motivo determinante para o fim da greve. “A categoria espera uma recomposição imediata, ou um calendário posterior de proposições. Por isso, a categoria na Uece se mantém em greve, com o entendimento de que não houve atendimento pleno da pauta mínima de reivindicações”, elucidou Nilson.

Além disso, a carência de docentes é um elemento muito presente, relatou Nilson. “A convocação de mais 35 professoras(es) é um número muito reduzido diante de uma carência de 482 docentes na Uece”, explicou. Nilson ainda afirmou que o movimento estudantil reivindicou elementos mais factíveis na proposta elaborada. “Docentes, em solidariedade às e aos estudantes, que também estão em greve na Uece, consideram que o que foi apresentado ainda é muito vago para atender às pautas”, acrescentou. 

Já o vice-presidente da Sindurca SSind., Fernando Castelo Branco, salientou que o abono que será pago no fim do ano representa um ganho um pouco superior de 5,62% que o governo do Ceará concederá a partir de agosto próximo, o que na prática é um ganho 1% superior à inflação do ano de 2023. “É um reajuste muito aquém do que é a necessidade da categoria, de fato. Mas diante da proposta inicial do governo em aumentar nossas perdas, é uma vitória econômica, além de representar uma conquista política, já que negociamos com o governo sob a criminalização do movimento, que persistiu durante toda a negociação”, concluiu o dirigente.

Fernando destacou a importância das bandeiras históricas como a inclusão do cargo de professor Titular na carreira, a ampliação do quadro de docentes efetivos e a convocação do cadastro de reserva. “Não é um acordo ideal, mas foi o possível para a categoria, no momento”, ressaltou. O dirigente acrescentou, ainda, que o aceite do acordo não significa que a categoria se fiará plenamente no governo. 

O vice-presidente da Sindurca SSind. informou que será convocada uma nova assembleia para fazer um balanço dessas três semanas, analisando se permanece a posição do aceite do acordo. “Não descartamos a possibilidade de uma nova greve. Vamos permanecer mobilizados”, finalizou.

Após rejeitarem proposta, docentes da UVA participaram de Caminhada em Defesa da Educação. Foto: Sindsems

Segundo a presidenta da Sindiuva SSind., Silvia Helena, que destacou que a assembleia realizada nessa segunda (6) foi a maior deste movimento com a participação de mais de um terço do conjunto do quadro docente da UVA, a votação favorável à manutenção da greve se justifica pelo fato de o governo não apontar uma resolução para as pautas apresentadas. “Além da questão salarial, temos pautado também a questão da infraestrutura da universidade, da assistência estudantil, da necessidade de prédios próprios para a instituição”, elencou.

“O que mais pesou para que os professores e as professoras da UVA permanecessem em greve foi a criminalização que o governo, por meio da PGE, está impondo ao nosso sindicato, multando a nossa diretoria e os dirigentes sindicais”, indignou-se Silvia. “É importante compreender que o processo de criminalização contra os sindicatos de docentes das universidades estaduais é a representação da criminalização ao direito de greve conquistado a duras penas dentro da Constituição brasileira de 1988”, enfatizou.

*com informações das Seções Sindicais

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