Uma pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) indica que a contaminação por mercúrio afeta toda a população de nove aldeias em Roraima, do povo Yanomami. Os resultados, divulgados nesta quinta-feira (4), foram obtidos a partir da análise de amostras de cabelos colhidas em outubro de 2022. De acordo com as pesquisadoras e os pesquisadores, o estudo mostra uma situação preocupante e contribui para aprofundar o conhecimento sobre os impactos do garimpo ilegal de ouro na região.
A pesquisa, intitulada “Impacto do mercúrio em áreas protegidas e povos da floresta na Amazônia: uma abordagem integrada saúde-ambiente”, teve o apoio da organização não governamental Instituto Socioambiental (ISA). As aldeias envolvidas no estudo situam-se na região do Alto Rio Mucajaí e reúnem yanomamis do subgrupo Ninam.
Ao todo, foram examinadas 287 amostras de cabelo de indivíduos de variadas faixas etárias, incluindo crianças e idosos. Todas apresentaram algum grau de contaminação. Em 84% delas, foram encontrados níveis de mercúrio acima de 2,0 microgramas por grama de cabelo (µg/g). Nessa faixa já é obrigatória a notificação dos casos no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), através do qual são produzidas estatísticas oficiais que balizam as medidas a serem adotadas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
Além disso, chama atenção que, em 10,8% das análises, os níveis ficaram acima de 6,0 µg/g. A pesquisa indica a necessidade de atenção especial com essa parcela da população. Os pesquisadores apontam que os maiores níveis de exposição foram detectados em indígenas que vivem nas aldeias localizadas mais próximas aos garimpos ilegais.
A Terra Yanomami ocupa mais de 9 milhões de hectares e se estende pelos estados de Roraima e do Amazonas. É a maior reserva indígena do país. Os resultados do Censo 2022 divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que mais de 27 mil indígenas vivem nessa área.
A presença do garimpo ilegal nesse território é um problema de décadas. O mercúrio é usado no processo de separação do ouro dos demais sedimentos. Sendo uma atividade clandestina, que busca driblar a fiscalização, geralmente não são adotados cuidados ambientais. O mercúrio acaba sendo despejado nos rios e entra na cadeia alimentar dos peixes e de outros animais. Além da contaminação, o avanço do garimpo ilegal tem sido relacionado com outros problemas de saúde enfrentados pelas populações yanomamis, tais como a desnutrição e o aumento de diferentes doenças, sobretudo a malária.
As pesquisadoras e os pesquisadores fazem uma série de recomendações com base no cenário encontrado durante os estudos. Como ações emergenciais, mencionam interrupção imediata do garimpo e do uso do mercúrio, a retirada de invasores e a construção de unidades de saúde em pontos estratégicos da Terra Yanomami. Além disso, o estudo também indica como necessárias ações específicas para as populações expostas: rastreamento de comunidades afetadas, realização de diagnósticos laboratoriais, elaboração de protocolos de tratamento de quadros de intoxicação e criação de um centro de referência para acompanhamento de casos crônicos ou com sequelas reconhecidas.
Outros problemas
Também foram realizados testes para estimar a prevalência de doenças infecciosas e parasitárias. Mais de 80% das e dos participantes relataram ter tido malária ao menos uma vez na vida, com uma média de três episódios da doença por indivíduo. Em 11,7% das pessoas testadas, foi possível identificar casos sem manifestações clínicas evidentes, características comuns em áreas de alta transmissão da doença. De acordo com as pesquisadoras e os pesquisadores, a abertura de cavas pelos garimpeiros favorece o surgimento de reservatórios para larvas de mosquitos. Dessa forma, nota-se um crescimento de casos não apenas de malária, mas também de leishmaniose e de outras arboviroses.
Outro dado alarmante é referente à cobertura vacinal. Apenas 15,5% das crianças estavam com a caderneta de imunização em dia. Além disso, mais de 25% das crianças menores de 11 anos tinham anemia e quase metade apresentaram desnutrição aguda. Em 80% das crianças foram constatados déficits de estatura para idade, o que sugere, de acordo com os parâmetros da Organização Mundial da Saúde (OMS), um estado de desnutrição crônica.
Emergência em saúde pública
Em janeiro do ano passado, a repercussão da crise humanitária vivenciada nessas aldeias gerou uma comoção no país. Segundo dados do Ministério dos Povos Indígenas, apenas em 2022, morreram 99 crianças yanomamis com menos de cinco anos, na maioria dos casos por desnutrição, pneumonia, entre outros.
Cumprindo a deliberação do 41º Congresso do ANDES-SN, o Sindicato Nacional doou, no ano passado, R$ 200 mil para o socorro emergencial das e dos indígenas Yanomami em Roraima. A doação, feita por intermédio da Hutukara Associação Yanomami (HAY), teve como objetivo auxiliar na promoção das medidas necessárias à reparação dos danos sofridos e à redução dos efeitos da crise sanitária e humanitária decorrente das omissões e ações do ex-presidente da República, Jair Bolsonaro (PL). Uma comitiva formada por diretoras e diretores do ANDES-SN e das seções sindicais locais acompanharam a doação e se reuniram com representantes da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e do Conselho Indígena de Roraima (CIR).
Fonte: Agência Brasil, com edição e acréscimo de informações do ANDES-SN