1964, 56 anos

Atualizado em 01 de Abril de 2020 às 14h26

Neste ano, alcançado o 31 de março, no marco dos 56 anos do golpe empresarial-miliar que varreu liberdades democráticas, torturou e matou dissidentes políticos e quis sufocar o pensamento crítico, os significados são claramente diferentes daqueles que vimos em outros anos.

Não que antes não tivéssemos lidado com o revisionismo histórico, disputando o passado com aqueles que empreendem esforços ou para ocultar nele violências ou para justificá-las, buscando para o presente legitimidades para as permanências desse tétrico período histórico, dentre as quais o aparato repressor que não chegou a ser desmobilizado, não por mero anacronismo ou como “entulho histórico”, mas porque o estado policial de repressão permanente é uma demanda do neoliberalismo, seja na ditadura militar, seja no dito estado democrático de direito.

Restabelecer a alta cúpula das Forças Armadas no poder implica em proceder a revisão do passado e, como nunca, apagar nele a memória de todos/as que lutaram e das formas mais horrendas tombaram.

Dado que a memória insiste em gritar a voz dos tantos/as silenciados/as, no tempo presente intensificam-se as elaborações que justificam o sangue que não se pôde limpar, dizendo ter sido travada uma guerra em defesa da democracia e na qual as liberdades democráticas deveriam ser sacrificadas. Luta que se trava pela atribuição de sentidos ao passado, mas com os pés encravados no tempo presente a fim de dizer dos mesmos perigos, como espectros, espreitando a todos.

Podemos mencionar, por exemplo, a educação pública, tão atacada pela iniciativa privada e por inúmeros governos, agora também atacada em sua autonomia pedagógica. Por isso, aqueles/as a quem faltam escrúpulos comemoram 56 anos do golpe como um marco de retomada de um tipo específico de autoritarismo político, na institucionalidade do Estado e na vida política do Brasil. Isso para dizer que 1964 jamais passou, que a anistia aos torturadores e a abertura política estão distantes de terem representado a vitória ou a redenção da classe trabalhadora!

Sob a veste do Estado democrático de direito as torturas seguiram sendo praticadas pelo braço armado do Estado (não mais para artistas, mas certamente para a classe trabalhadora!), os esquadrões da morte seguiram chacinando, a militância política continua sendo criminalizada e a juventude pobre e, sobretudo, preta, segue sendo massacrada. Não como “entulho histórico”, repetimos, mas como demandas neoliberais pelo desmonte de direitos afiançado por aparatos de repressão, nesta nova fase, sob os auspícios das polícias nos Estados.

Por isso os ecos de 1964 estão tão presentes nos discursos, ainda que vulgares e repletos de imprecisões e inverdades, do presidente Jair Bolsonaro, ao lado de quem jazem fantasmas de muitos algozes, como o torturador Brilhante Ustra, tantas vezes exaltado.

O aviltamento não é apenas à democracia, mas o caráter miliciano com que se desdobra a apologia militar, como apologia da tortura, impõe o manto da vergonha sobretudo aos militares, hoje, ensinados a laurear assassinos e a dividir o poder com milicianos.

Poucos dias antes de ter início a quarentena contra a disseminação da Covid-19, que afastou as pessoas das ruas, o Clube Militar distribuiu convites para um almoço em homenagem ao que dizem ter sido uma “Revolução Democrática”. Várias postagens, espalhadas pelas redes sociais, convocavam atos em portas de quartéis, como sempre apócrifas, porém chanceladas e mesmo distribuídas pelo presidente e seus filhos.

Isso porque, como aqui dissemos, o passado não passa! Como no “Angelus Novus” de Paul Klee, o “Anjo da História” é arremessado adiante por uma força absolutamente descomunal: o progresso!

Não se trata, portanto, de repetir o passado, mas de reivindicá-lo para si, o que se mostra muito mais perigoso diante da ascensão de uma nova ultradireita desde realidades centrais no sistema-mundo capitalista. A instabilidade econômico-social, agravada pela pandemia mundial, deu à luz novas estratégias para assentamento dessas forças no poder, com caracteres muito mais autoritários, como na Hungria de Victor Orban, que governa agora sem o controle do Legislativo e do Judiciário. O mundo mudou, mas pouco aprendeu com o passado que muitas vezes sangrou!

Se a pandemia causada pelo novo coronavírus promete ser um divisor de águas na era contemporânea (e já é!), que o futuro dela decorrente seja o despertar de um mundo mais justo, solidário e inclusivo, o que depende do soterramento dessas carcomidas e autoritárias estruturas de poder, na marcha dialética da história em que se desenvolve a luta de classes!

O mundo que queremos é exatamente o contrário da realidade construída pelo golpe empresarial militar de 1964, que a cada dia devemos derrotar, como um cadáver sempre ressurgente, fétido e putrefato!

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