Ataques virtuais a aulas e reuniões acadêmicas expõem fragilidade de plataformas

Atualizado em 05 de Agosto de 2020 às 11h17

Na manhã do dia 29 de julho, a Assembleia Geral Universitária da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), em ambiente virtual, foi alvo de um ataque cibernético. A reunião, convocada conjuntamente por docentes, técnicos e estudantes, tinha como objetivo discutir a possibilidade do retorno das aulas em ensino remoto. Devido aos sucessivos ataques, o debate foi inviabilizado.


Esse atentado, infelizmente, não é um caso isolado. Desde o início da pandemia da Covid-19, com a transferência para plataformas virtuais das atividades presenciais, já houve vários registros de invasões a reuniões, seminários, debates, aulas e até mesmo apresentações de trabalhos de conclusão de curso.


Em comum, a maioria dos ataques tem caráter racista, misógino, machista e fascista, fazendo referência à suástica, xingamentos de cunho racial e lgbtfóbicos e exibição de filmes pornográficos, entre outros. Houve ainda menções ao presidente da República, Jair Bolsonaro.


Para o presidente do ANDES-SN, Antonio Gonçalves, os ataques expõem as fragilidades dessas plataformas, no momento em que se discute, em todas as universidades públicas, institutos federais e Cefets, a retomada do calendário acadêmico através do ensino remoto.


“Esses ataques virtuais mostram o quanto são frágeis esses ambientes virtuais, e apontam ao que poderão estar expostos estudantes e docentes. Além de lidar com todas as dificuldades de infraestrutura, acesso, organização de tempo, e também questões subjetivas, a comunidade acadêmica também está exposta a interrupção das atividades e ao impacto emocional negativo que essas agressões têm, em especial contra mulheres, negras e negros, indígenas, quilombolas e lgbts”, alerta Gonçalves.


Segundo levantamento realizado pela imprensa do ANDES-SN, ao menos oito universidades registraram ataques a atividades acadêmicas. Na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), em 15 de julho, a apresentação de um trabalho de conclusão de curso da Faculdade de Direito foi alvo de agressões homofóbicas. O TCC abordou discursos de ódio e a criminalização da homotransfobia.


Após a apresentação inicial, a fala do primeiro avaliador foi interrompida por gemidos de conotação sexual. Logo depois, passaram a soprar fortemente os microfones. Em seguida, duas pessoas desconhecidas ligaram as câmeras. Por fim, reproduziram áudios do presidente Jair Bolsonaro em entrevistas concedidas quando ainda era deputado federal. “O filho começa a ficar assim meio gayzinho, leva um coro, ele muda o comportamento dele”, dizia Bolsonaro, então parlamentar, em um dos áudios.


Semanas antes, em 6 de julho, uma palestra da disciplina de Vigilância e Segurança Alimentar e Nutricional do curso de Nutrição da UFSM, com o tema “Saúde e Nutrição da População Negra”, também foi cancelada após ataques virtuais. A aula pública ocorria pela plataforma virtual Google Meet, quando, em meio às discussões, uma dezena de pessoas solicitou entrada na sala e passou a promover uma série de entraves ao andamento da palestra. Depois, ligaram o microfone e passaram a desferir frases de deboche e ameaças contra os participantes. O incômodo foi tamanho que a aula foi encerrada.


Em junho, um ciclo de palestras promovido pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) foi interrompido por agressões com palavras de baixo calão e compartilhamento de imagens de teor pornográfico, forçando a interrupção momentânea da atividade.
 

No mesmo mês, um debate sobre negritude com professores da Universidade Federal da Bahia (UFBA) foi interrompido por imagens de conotação racista. A reunião foi suspensa após não conseguirem retirar os invasores da sala virtual, que comemoraram a decisão aos gritos de "mito, mito" - em referência ao presidente Jair Bolsonaro.


Em 8 de junho, o webinário Atlântico Negro, organizado por professores da Universidade de Campinas (Unicamp), foi invadido " de forma massiva por vozes e imagens que impediram o direito de fala da professora da Unicamp, dra. Lucilene Reginaldo, bem como de todos que acompanhavam a atividade, numa clara agressão à missão que a sociedade entregou à universidade de produzir conhecimento e difundi-lo de forma livre e democrática", repudiou, em nota,  a universidade.


No mesmo dia, um evento organizado pelo centro acadêmico da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) foi "alvo de uma invasão promovida por um grupo neonazista durante o evento do Conhecendo o CACO na plataforma Zoom".


"Diante de imagens nazistas, vídeos de pornografia e fotos de pessoas mutiladas exibidas em nossa reunião com calouros e calouras, vimos necessidade em levar a ocorrência às autoridades competentes", disse o centro, em nota.


Ainda naquele mês, uma videoconferência sobre a História da África realizada pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) foi invadida com desenhos, pornografia e áudios de conteúdo de extrema-direita. Na Federal de Minas Gerais (UFMG), um debate virtual sobre saúde sexual e reprodutiva, maternidade e raça também foi alvo de ataques.


“O ataque já foi denunciado à Delegacia Especializada em Investigação de Crime Cibernético e esperamos que os responsáveis por esse ato ultrajante à nossa comunidade acadêmica sejam identificados e punidos”, comunicou em nota, a diretoria da Faculdade de Medicina da UFMG.


Um grupo também interrompeu uma aula da Faculdade de Economia da Federal do Acre, que ocorria em 2 de junho, na ferramenta Meet, do Google. De acordo com informações de um site de notícias locais, invasores que gritavam “viva o mito” enquanto transmitiam conteúdos pornográficos. Mais de 90 estudantes participavam da atividade. Ainda de acordo com o portal Contilnet, ataque semelhante aconteceu em uma transmissão ao vivo do curso de Direito da mesma universidade.
 

“Esses são apenas alguns dos ataques que tivemos conhecimento. Mas já dão uma dimensão dos problemas e riscos que iremos enfrentar, além de todos os outros que já estamos apontando, com a adoção do ensino remoto nos moldes que está sendo imposto”, alerta o presidente do ANDES-SN.


*Com informações das universidades, das seções sindicais Adufmat SSind. e Sedufsm SSind. e portais de notícias BBC, UOL, G1 e Contilnet

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