Entrevista: Religiões afro-brasileiras e a pandemia

Atualizado em 22 de Maio de 2020 às 14h18

Com o avanço da pandemia do novo coronavírus, as atividades religiosas estão sendo adaptadas em todo o mundo. No Brasil, inicialmente, várias cidades proibiram cultos com o objetivo de evitar aglomerações. Porém, algumas semanas após sofrer pressão por parte de líderes religiosos, o presidente Jair Bolsonaro instituiu o Decreto 10.282, que passou a enquadrar cultos como atividade essencial.

Desde então, temos acompanhado um impasse entre a pressão ded alguns líderes religiosos para que os templos sejam abertos e a luta de outros para que os locais continuem com as portas fechadas. 
Mas e quanto as religiões afro-brasileiras, como a umbanda e o candomblé? Qual tem sido a recomendação  das lideranças dessas religiões aos adeptos quanto às medidas de confinamento?

Para discutir o assunto, o ANDES-SN conversou com o dirigente da Choupana do Caboclo Sete Flechas, de São Paulo, Eduardo Fabiano Afonso Santos.

ANDES-SN: A pandemia do novo coronavírus provocou mudanças nas cerimônias e atividades das religiões afro-brasileiras, marcadas pela oralidade, coletividade e contato. Como está sendo essa adaptação?

 

Eduardo Fabiano: O advento da internet nos proporciona, por enquanto, certa proximidade. Não é possível, em tempos de Pandemia, continuar com nossos ritos por conta do contágio. É o momento de preservar a vida de todos. Muitas casas, terreiros e ilês estão proporcionando encontros pelos aplicativos de chamadas de vídeo, dando continuidade aos ensinamentos, mantendo viva a ancestralidade.

ANDES-SN: O presidente Bolsonaro, por meio de um decreto, inseriu atividades religiosas de qualquer natureza como atividades essenciais durante a pandemia. Tal atitude seria para agradar líderes religiosos e manter as igrejas abertas, inclusive para missas e cultos. Qual a sua opinião?

EF: Bolsonaro não governa, ele permanece em constante clima de palanque. Não há programa positivo para o combate da Pandemia, tão pouco a valorização da ciência e da vida. Falta planejamento integrado e estratégico para socorrer a população, manter os serviços básicos e essenciais e superar o novo coronavírus. Manter igrejas abertas é agradar Mamon*. Usar da ingenuidade dos fiéis para angariar riqueza em nome da cura ou da saúde é crime. Nós, representantes das religiões afro-brasileiras, somos a favor da preservação da vida e não dos interesses mesquinhos e genocidas de Bolsonaro. Neste caso não há fé, há fanatismo.

Mamon* - Um termo utilizado para descrever riqueza material. No hebraico, Mamon significa ‘‘dinheiro’’.

ANDES-SN: O combate ao novo coronavírus tem esbarrado no extremismo religioso, que nega o campo científico. É de conhecimento também que muitos terreiros no país são alvos desse extremismo religioso. Qual o impacto, a longo prazo, desse fanatismo?

EF: Gostaria de iniciar com uma pergunta que responderei a seguir: como realmente explicar que milhares de pessoas, Brasil afora, invadem casas, templos, terreiros, choupanas, cabanas etc., em nome de Deus e destroem nossos Congás, Pejis, Firmezas, Assentamentos, muitas vezes agredindo Pais e Mães de Santo e filhos de fé? Como e por qual motivo, isso acontece? Nesse cenário de ódio e instabilidade, recorro a Freud: "Vigora no homem uma necessidade de odiar e aniquilar." A intolerância religiosa se baseia no medo e no ódio, em que pastores neopentecostais subjugam seu rebanho, indo contra o Evangelho do Cristo Jesus. É inegável o que esse discurso faz na cabeça das pessoas, como também é inegável a afinidade de muitos com esse discurso. Os Orixás, Exu, Pomba-Gira são associados ao demônio judaico-cristão. Tudo que é de origem preta, é tratado com desdém e ignorância.

Nos taxam como primitivos e arcaicos, imperando o racismo em suas pregações, falas e atitudes, algo que é consequência de 300 anos de escravidão. Negar a eficácia da ciência e a luta diária em manter o isolamento, mostra que a fé se tornou, dentro das igrejas neopentecostais, balcão de negócios.

ANDES-SN: E quanto aos atos de solidariedade encabeçados pela sociedade civil, entidades sindicais e sociais. Como você os analisa?

EF: São extremamente pertinentes, uma vez que o governo está mais interessado em proliferar desinformação e negar a ciência, a necessidade do isolamento e os cuidados necessários para vencer a Pandemia.

ANDES-SN: Então, na sua opinião, qual seria a postura aconselhável de líderes religiosos neste momento, em que milhares de brasileiros estão infectados, com mais de 17 mil óbitos, e diversas pessoas desempregadas e desabrigadas?

EF: O momento é delicado e precisamos fazer pelo próximo o que o governo não está fazendo, que é socorrer as parcelas vulneráveis da população.

*As opiniões contidas nesta entrevista são de inteira responsabilidade dos entrevistados e não necessariamente correspondem ao posicionamento político deste Sindicato

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