Governo sabotou ordem para implementar plano de contenção da Covid-19 entre indígenas, relata Cimi à ONU

Atualizado em 01 de Outubro de 2021 às 09h55
Foto: Tiago Miotto/Cimi

Na quarta-feira (29), na 48ª sessão do Conselho de Direitos Humanos (CDH) das Nações Unidas (ONU), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) denunciou mais uma vez o descaso e a omissão do governo brasileiro no combate à pandemia entre os povos indígenas.

A denúncia foi feita pelo secretário-executivo da entidade, Antônio Eduardo de Oliveira, durante espaço de diálogo interativo com o relator especial da ONU sobre povos indígenas, José Francisco Cali Tzay.

“A ordem da Suprema Corte para que o governo implementasse um plano de contingência foi descumprida e sabotada, requerendo medida cautelar na Comissão Interamericana e uma medida de early warning ante o Cerd”, disse o secretário-executivo do Cimi.

A afirmação faz referência às determinações do Supremo Tribunal Federal (STF), no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709, de autoria da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

A gravidade da situação dos povos indígenas no país, ameaçados em seus territórios por invasores em plena pandemia, levou a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) a emitir medidas cautelares em favor dos povos Munduruku, Yanomami e Ye’kwana, ainda em 2020, e dos povos Guajajara e Awá da Terra Indígena Araribóia, em 2021.

Em agosto deste ano, o Comitê da ONU contra a Discriminação Racial (Cerd) notificou o Estado brasileiro por meio do seu mecanismo de alerta de atrocidades, chamando atenção para os “impactos dramáticos” da pandemia da Covid-19 sobre as populações indígenas, em particular no estado do Amazonas.

“A vacinação dos povos indígenas no país foi tardia, ceifando várias vidas que poderiam ser salvas”, afirmou Antônio Eduardo de Oliveira ao relator da ONU, chamando atenção para o fato de que os povos indígenas enfrentam “resistência estatal e a indústria de desinformação sobre a vacina, que ludibriou vários povos indígenas sobre falsos efeitos colaterais da vacina”.

Em sua fala na abertura da Assembleia Geral da ONU, o presidente da República, Jair Bolsonaro, afirmou que “80% da população indígena foi totalmente vacinada”. O dado, inverídico, expressa a contradição no discurso do governo sobre o tema.

Como indicou o Cimi em nota, esse número considera apenas os cerca de 410 mil indígenas incluídos no grupo prioritário do Plano Nacional de Imunização, “e não os quase 850 mil indígenas existentes, conforme censo do IBGE em 2010, número este bem defasado na atualidade”. Indígenas vivendo em contexto urbano foram excluídos do grupo prioritário de vacinação, apesar de decisão do STF no sentido oposto.

“Vários povos formaram suas próprias barreiras sanitárias, especialmente no contexto de contaminação de povos isolados e de recente contato. Coube também aos próprios indígenas formar parcerias com instituições de saúde para receberem atenção médica culturalmente adequada”, Oliveira.

A manifestação no diálogo interativo foi uma das diversas participações previstas do Cimi e de organizações indígenas, indigenistas e da sociedade civil na 48ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, que ocorre entre 13 de setembro e 8 de outubro. Devido à pandemia da Covid-19, a sessão ocorre por meio de videoconferência.

No dia 27 de setembro, o coordenador do Cimi Regional Sul, Roberto Liebgott, afirmou que o Brasil tem “uma das piores práticas indigenistas estatais” no enfrentamento à Covid-19, durante um painel sobre direitos humanos dos povos indígenas na pandemia.

Críticas de países europeus


Devastação causada pela invasão de garimpeiros à Terra Indígena Yanomami, em Roraima, em 2020. Foto: Chico Batata/Greenpeace

Na terça-feira (28), o Brasil foi alvo de uma dura fala do governo da Dinamarca, que disse compartilhar a preocupação da Alta Comissária da ONU para os direitos humanos com os ataques de garimpeiros ilegais contra povos indígenas na Amazônia.

A manifestação aconteceu durante a primeira parte do diálogo interativo com o relator especial da ONU sobre direitos indígenas, quando os representantes de governos nacionais fizeram suas declarações. O embaixador dinamarquês disse estar falando em nome de sete países da Europa, além da Dinamarca: Estônia, Finlândia, Islândia, Letônia, Lituânia, Noruega e Suécia.

“Compartilhamos a preocupação da Alta Comissária sobre os ataques contra os povos Yanomami e Munduruku por garimpeiros ilegais na Amazônia”, afirmou o embaixador Morten Jespersen.

Na abertura da 48ª sessão do CDH, a alta comissária Michelle Bachelet manifestou grande preocupação com a situação dos povos indígenas no Brasil. A posição dos países europeus, endossando a fala de Bachelet e endereçando diretamente o Brasil, é considerada um gesto diplomático raro, indicativo da visão internacional da grave situação no país.

Apesar da gravidade da violência enfrentada pelos povos Yanomami, Ye’kwana e Munduruku em seus territórios ser amplamente documentada, alvo de ações e investigações do Ministério Público Federal (MPF), medidas cautelares da CIDH e decisões do STF determinando a proteção dos indígenas, o governo do Brasil pediu direito de resposta e rebateu as afirmações.

Fonte: Cimi, com edição do ANDES-SN

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