Docentes protestaram contra cobranças à Adufes SSind., por parte da reitoria, com alegação de supostos prejuízos à Ufes
Participantes do 43º Congresso do ANDES-SN, que aconteceu em Vitória (ES), realizaram uma manifestação na tarde de quinta-feira (30) contra os boletos por ações de greve que a Administração Central da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) enviou para a Associação dos Docentes da Ufes (Adufes Seção Sindical do ANDES-SN) efetuar pagamento. O ato seguiu do Teatro Universitário para a reitoria da universidade com centenas de pessoas. Elas entoaram palavras de ordem como “Lutar não é crime”, nome da campanha lançada pelo Sindicato Nacional, e cantaram o refrão da canção “Aluga-se”, composição de Raul Seixas e Cláudio Roberto Andrade de Azeredo: “nós não vamos pagar nada, nós não vamos pagar nada”. O Congresso aconteceu na Ufes, de 27 a 31 de janeiro.
A administração da Ufes enviou à Adufes SSind. um boleto de R$ 208.047,75 alegando que o valor deveria ser pago pela seção sindical para ressarcir a universidade pelo pagamento de empresas terceirizadas que não teriam prestado a totalidade de seus serviços em razão da greve e do impedimento de entrada na instituição. O procedimento de cobrança que a reitoria está realizando é administrativo e não tem nenhuma relação com ações judiciais.
A Administração Central também enviou outro boleto de R$ 20.139,91, desta vez querendo repassar à Adufes SSind. os descontos que concedeu nos contratos de aluguel das cantinas e copiadoras do campus de Goiabeiras em decorrência da greve.
Arrepios
Ao chegar na reitoria, o presidente do ANDES-SN, Gustavo Seferian, afirmou que o local provocava arrepios, lembrando que aquele edifício foi um dos principais palcos onde ocorreram ações que integraram a intensa luta e mobilização para que a professora Jacyara Paiva, diretora do ANDES-SN, não fosse exonerada no início de 2024. “Foram também daqui que partiram os atos mais violentos contra o exercício do direito de greve que nós tivemos no ano passado na base do ANDES-SN”, afirmou o dirigente.
Gustavo Seferian classificou a cobrança de boletos como indevida, abusiva e completamente despropositada. Para ele, isso deve ser objeto de denúncia sistemática, nacionalizada, no sentido de reafirmar que lutar não é crime e é, também, a forma por excelência que trabalhadores e trabalhadoras têm para exercer as melhores condições de vida e existência.
“Esse processo, que visa estrangular financeiramente as entidades de classe, é uma das formas de criminalização. Tentar multar, tentar deslegitimar, tentar se voltar contra esses trabalhadores e trabalhadoras no exercício de greve é, em todas as suas dimensões, um intento de criminalização. E ao buscar que a Adufes SSind. seja punida, que pague esses boletos, a reitoria da Ufes está sim criminalizando o movimento sindical, sim criminalizando uma das sessões sindicais em que o processo de mobilização e luta no curso da greve das federais em 2024 se deu de forma mais intensa, repleta de práticas de ação direta, que são as formas, por excelência, que nós construímos enquanto classe para efetivar os nossos interesses”, explicou.
Processo ativo
Seferian enfatizou que a greve não pode ser, e não foi, uma simples interrupção do trabalho, mas sim um processo ativo, que tira trabalhadoras e trabalhadores do local ordinário de trabalho e coloca num processo de engajamento, de disputa de mentes e corações, de diálogo com colegas e estudantes, como ocorreu na Ufes.
A tônica privatista promovida pela Ufes, que terceiriza a contratação da força de trabalho, quando as trabalhadoras e os trabalhadores deveriam ser efetivos com direitos estáveis, também foi criticada por Gustavo Seferian. Ele lembrou que a situação coloca as pessoas em uma condição de precarização, de corrosão de renda, de rotatividade nos postos de trabalho e de intensa exploração.
“Há uma disputa de ideias, há uma disputa que se pretende de narrativas, mas ela é muito concreta, promovida também pela reitoria da Universidade Federal do Espírito Santo. Isso se deu em diversos momentos, inclusive com o uso da máquina da universidade para tentar legitimar suas práticas. Isso se dá com a imprensa, com as procuradorias jurídicas e com processos judiciais”, afirmou.
A presidenta da Adufes SSind, Ana Carolina Galvão, explicou aos colegas de todo o Brasil que participavam do 43º Congresso do ANDES-SN que houve uma Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF) contra a greve na Ufes, mas que ela foi encerrada, com acordo firmado em audiência na Justiça Federal sem reconhecimento de procedência dos pedidos e sem presunção de veracidade dos fatos narrados. Portanto, não há ação em curso e nem condenação que sustente uma alegação de ilegalidade da greve.
“Nós realizamos sim uma ação contundente durante esses dias de fechamento do portão e foi essa ação que deu visibilidade à universidade inteira daquilo que estava acontecendo em âmbito federal, daquilo que estava acontecendo na nossa universidade. Foi isso que mobilizou a nossa greve durante mais de 60 dias. Greve que não paralisa serviço, não é greve. Não funciona, não atende às nossas necessidades. O movimento estudantil estava no fechamento dos portões conosco nesses primeiros dias. O Sintufes [Sindicato dos Trabalhadores da Ufes] fez nota contra essa criminalização e é importante dizer que não foi a primeira vez que os portões da Ufes foram fechados”, contou.
Ana Carolina chamou a atenção para o ineditismo da ação da reitoria. “Já aconteceram vários fechamentos de portão e nunca houve uma cobrança de boleto por ações de greve realizadas durante esse período. O que a reitoria está fazendo agora é realmente um ataque ao movimento docente, e não só à Adufes SSind, porque, se essa moda pega, nós vamos ter em qualquer atividade sindical que nós fizermos um tipo de desmobilização que vai atrapalhar as nossas ações”, disse.
Outras criminalizações
A 1ª vice-presidenta do ANDES-SN, Raquel Dias, também falou durante o ato e destacou a campanha “Lutar não é crime”, ressaltando que a ação pelo direito de greve e contra a criminalização das lutas foi aprovada no ¨67º Conad, a partir de um processo de criminalização das greves que aconteceram no setor das Estaduais, Municipais e Distrital do ANDES-SN. Ela lembrou que foram realizadas greves nos mais diversos estados. Todas essas paralisações, de alguma maneira, sofreram algum tipo de criminalização.
“Nós começamos, em janeiro de 2024 com a greve do Piauí, criminalizada pelo governo Rafael Fonteles, do PT, que cortou o salário de docentes do comando de greve. Depois, nós tivemos uma criminalização da greve das universidades estaduais do Ceará, com cobrança de multa das seções sindicais e também de dirigentes sindicais, no valor diário de R$ 10 a 30 mil. Isso revela a criminalização não apenas da luta, mas também daqueles que lutam. Nós tivemos greve também em Goiás, e lá houve uma criminalização com cobrança de multa de R$ 100 mil. O Grupo de Trabalho Política de Formação Sindical (GTPFS) está cuidando da campanha ‘Lutar não é crime’. Estamos produzindo um conjunto de materiais para todas as seções sindicais e vamos pensar outras formas para que essa campanha seja massificada e para que a gente possa, nas nossas seções sindicais, também gritar, bem alto, que lutar não é crime!”, disse.
O encerramento do ato ficou por conta do professor Paulo Rubem Santiago Ferreira, delegado da Associação dos Docentes da Universidade Federal de Pernambuco (Adufepe SSind), que leu uma poesia de cordel de sua autoria. Confira o texto.
A greve é justa, legítima,
não é crime, nunca foi.
Eu vou botar os boletos
debaixo do pé do boi.
Nossa luta é resistência,
defendendo a educação,
ensino público de fato
contra a especulação,
contra o sucateamento
e a privatização.
Por isso a gente insiste,
não vamos arredar pé.
Nossa luta segue forte,
é para o que der e vier.
Educação e liberdade,
isso é o que a gente quer.