Pandemia: Desinformação pode custar vidas

Atualizado em 08 de Abril de 2020 às 17h51

O avanço da pandemia do novo coronavírus em todo o globo foi acompanhado de uma ampla difusão de conteúdos sobre o tema. Embora não seja possível afirmar que houve um aumento na disseminação de desinformação, é fato que houve um crescimento expressivo na quantidade de notícias, falsas ou não, sobre a doença, que já contaminou, até o momento, mais de 1,4 milhão de pessoas, levando à morte mais de 83 mil no mundo.

Bia Barbosa, representante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, explica que não existe um monitoramento global que sistematize as notícias falsas que circulam pelas plataformas digitais. No entanto, comenta que houve um aumento na credibilidade dos órgãos oficiais de informação e veículos tradicionais de imprensa, pois, diferente de outros momentos, a disseminação de desinformação pode levar à morte de muitas pessoas. 

“Se para muita gente, num momento diverso deste ou até durante as eleições, o compartilhamento de notícias falas ou manipuladas, de conteúdos claramente desinformativos e falsos, poderia, na visão de alguns, não gerar um dano concreto, agora, na epidemia do Covid-19, pode significar colocar vidas em riscos de uma maneira muito imediata e num curto prazo. Eu acho que isso dialoga um pouco com o retorno da credibilidade no jornalismo tradicional, aqui no Brasil pelo menos, em torno desse processo, porque talvez as pessoas tenham de fato percebido que nesse momento ter acesso às informações que são comprovadamente confiáveis, ou que pelo menos têm fontes mais confiáveis, é algo que sim pode preveni-las de se colocarem em risco”, explica.

O aumento da credibilidade da população em veículos tradicionais de imprensa foi registrado por duas pesquisas. O Datafolha divulgou, em 23 de março, que 61% dos entrevistados apontaram programas televisivos como fontes de informação de maior confiança sobre a doença. Já os jornais impressos são vistos com grande confiança por 56% dos que responderam. O instituto internacional Edelman divulgou que 64% da população de 10 países, incluindo o Brasil, declararam o trabalho da imprensa como fonte mais confiável de informações sobre a Covid-19.

Bia Barbosa alerta ainda para a diferença entre as notícias genuinamente falsas – popularmente chamadas de fakenews – e a desinformação, termo que diversos movimentos, como o Intervozes, preferem usar, pois abrange outros tipos de manipulação dos fatos e dá uma dimensão melhor do problema. A primeira é mais facilmente identificada, pois é produzida a partir de fatos iverídicos. Já a segunda, muitas vezes tem como base fatos concretos, e são elaboradas distorcendo esses dados ou imagens, tirando-os de contexto, para servir a um propósito.

“Para nós, a agenda da desinformação é mais ampla do que o que seria uma notícia claramente falsa. Por exemplo, quando o Olavo de Carvalho disse "não existe nenhuma morte confirmada de Covid-19", isso é uma notícia comprovadamente falsa. Mas, eu também posso pegar, por exemplo, todos os dados do Ministério da Saúde, que são corretos e manipulá-los e apresentá-los de uma maneira diferente, como o próprio presidente da República tentou fazer com as declarações do diretor da OMS na semana passada. Então, a prática da desinformação é mais ampla e é fundamental que a gente olhe para essa prática, porque, talvez, nesse universo de desinformação, o combate à notícia que é claramente falsa seja até mais fácil de fazer do que esse contexto mais amplo”, explica.

Outro exemplo citado pela representante do Intervozes foi o vídeo divulgado na última semana, também por uma conta nas redes sociais do presidente Bolsonaro, do suposto desabastecimento do Ceasa de Minas Gerias. A informação foi desmentida por vários veículos de comunicação que explicitaram a manipulação da imagem, uma vez que o enquadramento da câmera usado no registro levava a uma compreensão errada do cenário. “É difícil, às vezes, perceber essas nuances. Então, temos que estar muito mais alertas, porque as práticas de desinformação são mais complexas do que simplesmente as de produção de uma notícia diretamente falsa”, acrescenta.

Prática genocida
A jornalista critica ainda o fato de o presidente brasileiro estar constantemente compartilhando desinformação, o que contribui para a disseminação e legitimação desses conteúdos. Ela considera Bolsonaro diretamente responsável por colocar a vida dos brasileiros em risco. “Ver o presidente disseminando desinformação nessa conjuntura me parece, talvez, uma das práticas mais genocidas que já vimos Jair Bolsonaro implementar no Brasil”, analisa.

Para ela, é possível afirmar, inclusive, que boa parte da desinformação produzida neste momento de pandemia do Covid-19 tem a mesma fonte daquelas divulgadas durante o processo eleitoral, que culminou na vitória de Jair Bolsonaro. 

“Grande partes delas é produzida e distribuída de uma maneira arquitetada e organizada por um mesmo grupo ideológico, que hoje está ligado ao chamado "gabinete do ódio". Por mais que o conteúdo produzido lá atrás fosse mais de ataque aos adversários com fins eleitorais, e agora tenhamos um conteúdo que é produzido para tentar convencer e tentar manipular a população de que as ideias do presidente sobre essa pandemia são corretas, a origem desses conteúdos em grande parte é o mesmo lugar, são os grupos de extrema direita que operam no Brasil e que dão sustentação ao governo Bolsonaro”, afirma.
 
Como identificar e combater a desinformação?
O primeiro passo para identificar notícias falsas é procurar checar se aquela informação foi divulgada em sites de fontes fidedignas, se foi publicada ou transmitida por grandes veículos de comunicação, e por mais de um canal de informação. A jornalista recomenda ainda sempre buscar informações direto nas fontes oficiais como os canais de comunicação da Organização Mundial da Saúde, do Ministério da Saúde, ou ainda institutos como Fiocruz e Adolpho Lutz.


“Se o presidente falou “tal remédio está dando certo" ou que “o isolamento em tal país não adiantou de nada”, vamos procurar essas informações e verificar se isso de fato se comprova. Por exemplo, a declaração que Bolsonaro fez de que o presidente dos EUA estava acabando com o isolamento era facilmente checada se alguém entrasse no site da Casa Branca e olhasse o discurso do presidente Trump, o qual que dizia que se a situação melhorasse nos EUA até o dia 12 de abril, eventualmente, o isolamento poderia começar a ser reduzido”, explica.

Para ajudar no combate à desinformação, o Intervozes lançou em 2019 a cartilha “Desinformação: ameaça ao direito à comunicação muito além das fake News”. Confira aqui

Dicas
Conforme um guia divulgado pelo Comitê Gestor da Internet sobre o uso seguro da rede mundial, boatos, notícias falsas e desinformações apresentam algumas características que podem ajudar na sua identificação. Ainda assim, na dúvida, não compartilhe! 
- Afirmam não ser notícia falsa
- Possui título bombástico
- Tem um tom alarmista, com palavras como “cuidado” ou “atenção”
- Omite local, data ou até mesmo fonte (principalmente no caso do Whatsapp)
- Não traz evidências nem embasamento
- Coloca-se como único a revelar uma informação escondida pelos demais veículos
- Pede para ser repassado a um grande número de pessoas e alega consequências trágicas caso a tarefa não seja realizada
- Utiliza URL ou até mesmo design gráfico semelhante a veículos conhecidos.

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