Ação policial deixa pelo menos 25 mortos e leva pânico à comunidade no Rio de Janeiro

Atualizado em 26 de Maio de 2022 às 14h33
Policiais durante invasão da comunidade do Jacarezinho, no Rio de Janeiro, em 19 de maio de 2021. Foto: Bruno Itan - Voz das Comunidades

A violência do Estado deixou ao menos 25 pessoas mortas e feriu outras 11 durante uma operação policial na terça-feira (24), na região da Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha, Zona Norte do Rio de Janeiro. Essa é a segunda operação policial mais letal da história da capital fluminense, ficando apenas atrás da chacina de Jacarezinho, em 2021, com 28 mortos.

A operação foi realizada pelo Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar com a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e Polícia Federal (PF) na Penha, região que aglutina 13 favelas. 

Desde as primeiras horas da manhã, a Ouvidoria e o Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh), órgãos da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ), receberam relatos das moradoras e dos moradores da Vila Cruzeiro pedindo socorro. Nas redes sociais não foi diferente. A comunidade denunciava a crueldade da ação contra a população trabalhadora da região. O sentimento era de desespero, angústia e muito medo. Escolas, aparelhos públicos em geral e comércio ficaram fechados ao longo do dia. Integrantes da DPRJ estiveram no local na terça (24) e tentaram diálogo com as forças de segurança para cessar fogo, o que não ocorreu. 

De acordo com a Secretaria de Estado de Saúde, a direção do Hospital Getúlio Vargas informou que 28 pessoas foram encaminhadas à unidade. Do total, 21 chegaram mortas, 2 morreram após atendimento, 4 foram internadas (duas em estado grave e duas estáveis). O hospital destacou ainda que um homem foi transferido para a Unidade de Pronto Atendimento da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária.

As autoridades de segurança do Rio defenderam a incursão que, segundo eles, foi planejada há meses. O objetivo era impedir a movimentação de um grupo de traficantes que supostamente estaria à caminho da favela da Rocinha. O presidente Jair Bolsonaro (PSL) parabenizou as equipes envolvidas no mesmo dia.

Vítimas
As condições em que as 25 pessoas morreram ainda são incertas, visto que não há esclarecimentos por parte da polícia. Há indícios de execuções, em algumas regiões, de torturas e balas perdidas. 

Entre as vítimas dessa intervenção está a cabeleireira Gabrielle Ferreira da Cunha, que foi atingida por um tiro dentro de casa na comunidade da Chatuba, vizinha a Vila Cruzeiro e que não fazia parte da operação realizada pelas polícias. Também integram a lista o mototaxista Ricardo José Cruz Zacarias Júnior, que participava de uma manifestação contra a brutalidade dos agentes, e o ex-marinheiro Douglas Costa Inácio Donato, que saiu para levar um amigo para casa de moto e não retornou. Ele trabalhava atualmente em uma loja de calçados e almejava ingressar na carreira de vigilante.

Desdobramentos 
A Defensoria enviou um ofício às autoridades competentes da operação requisitando informações acerca da motivação da operação policial que aconteceu na comunidade. No documento, encaminhado ao comandante do Comando de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio, a Defensoria questiona os motivos excepcionais para a realização da operação, tendo em vista decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF nº 635, que proíbe operações policiais durante a pandemia, especialmente nos perímetros nos quais estejam localizadas escolas, creches, hospitais ou postos de saúde.

No texto do ofício, a DPRJ também solicita o envio da cópia da ordem da missão, a indicação da autoridade que determinou/autorizou a operação, assim como as informações sobre as pessoas vitimadas, como registro de óbito, entre outros. Além disso, foi questionado outro ponto importante da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 635): a disponibilização de ambulâncias no local da operação, tendo em vista a alta probabilidade de confronto armado e vitimados nessas ocasiões. A ADPF, aprovada por liminar pelo ministro Edson Fachin em junho de 2020, restringe as operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro durante a pandemia. 

O Ministério Público Federal (MPF) instaurou no mesmo dia da operação um procedimento investigatório criminal para apurar as condutas, eventuais violações a dispositivos legais, as participações e responsabilidades individualizadas de agentes policiais federais.

Chacinas
Até o momento, a chacina em Jacarezinho ocorrida no dia 6 de maio de 2021 continua sendo considerada a mais letal da história da cidade. A ação da Polícia Civil resultou na morte de 28 pessoas, em um dia de operação. Logo em seguida, aparecia a do Complexo do Alemão em 2007, com 19 mortes. Já as chacinas de Vigário Geral (1993), com 21 mortos, e da Baixada Fluminense (2005), 29 mortos, foram provocadas em operações extralegais por grupos de extermínio. Agora, a chacina em Vila Cruzeiro, na Penha, com ao menos 25 pessoas mortas entra para a triste estatística de segunda mais letal da cidade.

De acordo com o relatório Chacinas Policiais, produzido pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni/UFF), no período de 2007 a 2021, foram realizadas 17.929 operações policiais em favelas na Região Metropolitana do Rio, das quais 593 terminaram em chacinas, com um total de 2.374 mortos. Isso representa 41% do total de óbitos em operações policiais no período. Além disso, o estudo mostra que o Jacarezinho se destaca no triste ranking da letalidade policial, como o bairro com o maior número de mortos em chacinas. Em média, a cada 10 operações realizadas no Jacarezinho ocorrem 7 mortes.

O estudo revela que a Polícia Militar apresenta maior participação no total de chacinas, no entanto, a Polícia Civil é proporcionalmente mais letal com uma média de 4,8 mortos em chacinas frente à média de 4 mortos em chacinas decorrentes de operações realizadas pela Polícia Militar. Aponta ainda que a presença de unidades especiais, particularmente o Bope e a Coordenadoria de Operações e Recursos Especiais (Core) – respectivamente ligadas à PM e a Civil – tornam as operações mais propensas a resultarem em chacinas. Com a presença simultânea das duas em uma dada operação, a probabilidade é seis vezes maior da ocorrência de chacinas (18,2% frente a 2,9% dos batalhões e delegacias de área).

Com informações da Agência Brasil, Voz das Comunidades e CSP-Conlutas  

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