PL 5435: um dos maiores retrocesso aos direitos das mulheres  

Atualizado em 30 de Março de 2021 às 09h08

Tramita no Senado Federal, um projeto de lei que ameaça mais uma vez os direitos adquiridos das mulheres, prejudicando o direito à interrupção da gravidez nos casos já previstos em lei. Disfarçado de “Estatuto da Gestante”, o Projeto de Lei (PL) 5435/2020, do autor e senador Eduardo Girão (Podemos), não traz políticas públicas e outros mecanismos que garantam os direitos das mulheres grávidas. Pelo contrário, o PL pretende restringir e violar os direitos das mulheres, no âmbito especialmente da saúde sexual e reprodutiva, ao considerar o “direito à vida desde a concepção”. Com essa mudança, o direito ao aborto legal no país, seria considerado crime. No Brasil, o aborto é garantido por lei em casos de estupro, onde há risco de vida para a mãe ou anencefalia do feto, conforme o Código Penal de 1940.

O projeto ganhou repercussão nesta semana e fez com que as hashtags #GravidezForcadaÉTortura e #BolsaEstuproNao ficassem entre os assuntos mais comentados nas redes sociais do país. O relatório do PL será apresentado em Plenário, pela senadora Simone Tebet (MDB/MS), e pode ser votado nas próximas semanas. Se o Senado aprovar, o PL ainda tramitaria pela Câmara Federal. Um dos pontos mais criticados do projeto é a imposição às mulheres, independente da idade, a continuidade de uma gravidez decorrente de violência sexual e, ainda, forçar a criação ou entregar para adoção uma criança concebida por estupro. O PL desrespeita a autonomia e a autodeterminação das mulheres, constrangendo-lhes à aceitação do que ficou popularmente conhecido como “bolsa estupro” em caso da ausência de qualquer outro meio legal ou informal que lhe dê as condições de cuidar da criança, ou adoção. Outro absurdo do projeto, apontado pelos movimentos em defesa dos direitos das mulheres, é o de força as mulher, caso prossiga com a gravidez, a informar sobre o estado da criança ao estuprador. O projeto faz do estuprador um “pai” ao descrevê-lo como genitor.

De acordo com Milena Barroso, coordenadora do Grupo de Trabalho de Políticas de Classe para as Questões Etnicorraciais, de Gênero e Diversidade Sexual (GTPCEGDS) do ANDES-SN, nesse contexto de pandemia com mais de 300 mil mortos, o PL 5435 se torna ainda mais perverso. “O PL faz parte de um conjunto de iniciativas ultraconservadoras e da necropolítica em curso no Brasil. Diferente do discurso de defesa da vida, o PL atenta contra a vida e a dignidade das mulheres e meninas. É uma estratégia de controle dos corpos das mulheres e uma forma de criminalização da pobreza, pois, são as mulheres e meninas negras e pobres as mais expostas à violência sexual”.

O Projeto

Se o projeto for aprovado, mulheres e meninas gestantes terão seus direitos reprodutivos e a sua dignidade violadas, especialmente aquelas vítimas de crime. O artigo sexto do PL 5435, por exemplo, veda o “Estado e aos particulares discriminarem a gestante, privando-a de qualquer direito, em razão do sexo, da idade, da etnia, da origem, da deficiência física ou mental”. Para as e os críticos da proposta, esse item poderia abrir precedência para gravidez de crianças decorrente de estupro. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2019 ocorreu 1 estupro a cada 8 minutos. Foram 66.123 vítimas de estupro naquele ano, sendo que 57,9% dos estupros no Brasil são contra crianças de até 13 anos e 85,7% são do sexo feminino.

Já o oitavo artigo do PL diz que “é vedado a particulares causarem danos a criança por nascer em razão de ato ou decisão de qualquer de seus genitores”. Mais a frente, o nono artigo propõe que o “genitor é co-responsável com a genitora quanto a salvaguarda da vida, saúde e dignidade da criança por nascer, não podendo dessa se eximir”, até se o genitor estiver forçado a relação sexual. A proposta confere ao estuprador o status de “genitor” e, por isso, contraria leis em vigor no Código Civil, no Código Penal, e no Estatuto da Criança e do Adolescente.

O décimo artigo diz que: “o genitor possui o direito à informação e cuidado quando da concepção com vistas ao exercício da paternidade, sendo vedado à gestante, negar ou omitir tal informação ao genitor, sob pena de responsabilidade”. Com isso, a gravidez resultante de estupro penaliza duas vezes a mulher. Além de ter o corpo violentado de forma física, com resultados psíquicos por vezes irreversíveis, ela corre o sério risco de não receber o atendimento e o respeito a que tem direito por lei, por parte dos hospitais, das autoridades policiais, da sociedade e do Poder Judiciário. E, ainda, poderá ser penalizada por não manter vínculo com o seu algoz.

Segundo a diretora do ANDES-SN, o projeto é um agravo aos direitos humanos. “É perverso expor mulheres e meninas a situações ainda maiores de dor e sofrimento. A crueldade está em imputar culpa e responsabilidade às mulheres e meninas vítimas de estupro. Nenhuma mulher pode ser culpada por uma violência sexual sofrida, muito menos, ser obrigada a seguir com uma gestação resultado de uma violência. Não podemos permitir que crianças e adolescentes sejam obrigadas a ter filhos de seus pais, irmãos e tios. É isso que esse PL busca garantir”.

O projeto também foi criticado por entidades e fóruns de defesa dos direitos das mulheres. De acordo com a Frente Nacional Contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto, a proteção dos direitos de gestantes já está prevista e afirmada na Política de Atenção Integral à Saúde das Mulheres, na Política de Atenção à Saúde da População Negra, na legislação sobre o Sistema Único de Saúde (SUS) e em várias normas técnicas do Ministério da Saúde.

A coordenadora do GTPCEGDS também reitera que a proteção e direitos das gestantes já se encontram na lei brasileira e que, neste momento, é importante cumprir a legislação, no sentido de garantir proteção e atenção integral às mulheres e garantir mais investimento para as políticas para as mulheres, para a proteção social e para o SUS. “A defesa da vida das mulheres está ameaçada pela Emenda Constitucional (EC) 95, que impõe tetos aos gastos sociais, pelo desfinanciamento do SUS, e pela EC 109. Defender a vida hoje é garantir uma renda básica universal e vacinação para toda a população brasileira”.

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