Palestina: símbolo histórico de luta e resistência enfrenta novos ataques

Atualizado em 13 de Agosto de 2021 às 15h38
Crédito: facbook.com/palestina

*Matéria publicada originalmente no InformANDES de Julho/2021

Enquanto a população ocupa as ruas na América Latina, do outro lado do oceano Atlântico, as palestinas e os palestinos enfrentam, além da pandemia de Covid-19, a violência do governo de Israel, em defesa do seu direito à vida e ao território. A opressão histórica ao povo palestino e a disputa pelos territórios na Faixa de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental ganhou um novo capítulo brutal nos últimos meses. 

Há anos, o governo de Israel vem impondo uma série de embargos e legislações contra os palestinos, com o intuito de expulsar a população da região, especialmente de Jerusalém Oriental, numa tentativa de transformar Jerusalém em uma cidade inteiramente israelense.

Osvaldo Coggiola, encarregado de Assuntos Internacionais do ANDES-SN, ressalta também a situação de discriminação à qual estão sujeitos os palestinos, principalmente os chamados árabes israelenses. “Há de se fazer notar que fizeram passar uma série de leis que discriminam ainda mais os árabes israelenses dentro do estado de Israel. Por exemplo, uma pessoa de origem árabe pode, de acordo com uma lei de comunidades que foi aprovada um pouco antes dos eventos mais recentes, simplesmente ser expulso de uma cidade por vontade de seus habitantes, o que implica que os árabes israelenses não podem fixar domicílio no estado de Israel, porque estão, a qualquer momento, submetidos à possibilidade de serem expulsos da sua própria moradia”, explica.

Arlene Clemesha, do Centro de Estudos Árabes da Universidade de São Paulo (USP), acrescenta que o processo de expulsão das famílias em Jerusalém Oriental se intensificou em 2021. Segundo a docente, muitos moradores receberam ordem de demolição de suas casas. “Pessoas estão tendo que demolir suas próprias casas para evitar pagar a taxa de demolição. Porque, uma vez emitida ordem de demolição, ou a pessoa executa, ou se o governo executar demolição, [o governo] faz a pessoa pagar e cobra uma taxa exorbitante. Então, a família acaba preferindo ela mesma ir lá e demolir a casa. É uma situação não só injusta, ela é muito desumana, contra a qual não dá para ficar em silêncio”, ressalta. 

Este conjunto de ataques motivou uma reação palestina muito forte, que se expressou primeiro em grandes mobilizações na Faixa de Gaza e Cisjordânia. A tensão na região aumentou após policiais israelenses ferirem gravemente palestinos em um protesto em Jerusalém. Em resposta, o Hamas, movimento islâmico no poder em Gaza, disparou uma salva de foguetes contra Israel. A escalada na violência resultou em 11 dias de conflito. O bombardeio do Estado de Israel à Faixa de Gaza, supostamente visando o Hamas, matou ao menos 232 palestinos, dos quais 65 crianças, e feriu outros 1.900. Em Israel, 12 pessoas morreram e mais de 340 ficaram feridas. Várias áreas urbanas foram totalmente destruídas, incluindo três prédios ocupados por empresas jornalísticas e correspondentes internacionais.

“Houve mortos dos dois lados, mas obviamente que foi desproporcional. Foram atacadas cidades inteiras, praticamente toda a Faixa de Gaza. O Hamas é acusado de utilizar escudos humanos, mas o território de Gaza é tão pequeno que qualquer medida de defesa militar adotada pelo governo da Faixa de Gaza necessariamente vai estar situada em algum setor habitado por população civil. Não há território suficiente para instalar quartéis militares longe da população. Por tanto, houve uma repressão muito violenta e houve manifestação por parte de diversos governos do mundo condenando a violência israelense, mas essa violência continua e aparentemente as pressões internacionais não surtem qualquer efeito nos governos de extrema direita israelense”, explica Coggiola.

Durante os ataques, foram registrados vários protestos e até mesmo uma greve geral, impulsionados pela juventude palestina, que está na linha de frente contra repressão israelense e os ataques aos palestinos e à população árabe na Cisjordânia, Jerusalém Oriental e cidades mistas de Israel. Em diversos países, houve atos de solidariedade ao povo palestino o que também intensificou a pressão de organismos internacionais e várias nações pelo fim da ofensiva bélica. Em 21 de maio, foi firmado um acordo de cessar-fogo entre Israel e o Hamas, mediado pelo Egito.

Crédito: Fepal - Federação Palestina

Repressão continua após o cessar-fogo

O pacto durou pouco tempo. Desde o início de junho já foram ao menos três dias de bombardeios israelenses a instalações do Hamas. Segundo as forças de Israel, seriam em resposta a balões artesanais lançados próximos à Gaza e que provocaram incêndios. Não foram registradas mortes até o momento.

Além da resposta violenta de Israel aos balões, Arlene Clemesha denuncia também para a onda de prisões de manifestantes e lideranças de bairro. “Ou seja, prisões políticas. Prisão pelo simples motivo ter saído às ruas em manifestação contra o governo israelense, contra essa situação, esse contexto, contra a ocupação. Já estavam acontecendo várias prisões e, assim que foi assinado o cessar-fogo, o governo anunciou que iria prender mais quinhentos ativistas. Quinhentos jovens palestinos”, conta. “A situação é essa. Como a intensidade não é tão elevada quanto naquele primeiro momento, acaba não chegando à imprensa, mas a repressão e a violência têm continuado. Assim como as incursões do exército [israelense] em cidades palestinas, em Jerusalém Oriental. Então, o que é preciso entender disso tudo, é que há uma ocupação que é militar, que é ilegal, que é israelense dos territórios palestinos”, acrescenta a docente da USP.

Israel elege novo líder
Em 14 de junho, o ultranacionalista religioso Naftali Bennett assumiu como primeiro-ministro de Israel, após 12 anos de mandato do conservador Benjamin Netanyahu no poder.  Bennett compõe uma aliança de oito partidos de diferentes espectros, formada para derrotar o antecessor, e com uma frágil maioria no Parlamento.

De acordo com Clemesha, o novo primeiro-ministro é uma figura extremamente radical e já se manifestou diversas vezes contrário ao Estado Palestino, defende a anexação israelense da Cisjordânia ocupada e o neoliberalismo econômico. Para ela, a coalizão encabeçada por Bennet é muito desigual, formada por partidos muito distintos. “É uma grande colcha de retalhos”, caracteriza.

“Agora, é justamente pelo jogo e pela tensão política entre os membros dessa coalizão que alguma coisa pode ser obtida em prol dos palestinos. Ou seja, brechas podem ser encontradas. E a primeira delas já foi, na verdade. O parlamento israelense não renovou uma lei muito prejudicial para os palestinos, que impede a reunificação familiar”, comenta.

No dia 5 de julho, o parlamento israelense não obteve maioria para aprovar a prorrogação de uma lei de 2003 que impedia que um israelense casado com uma palestina da Cisjordânia, por exemplo, obtivesse visto para morar legalmente em Israel. A votação foi considerado um teste da força do novo governo de coalizão, que saiu derrotado.

“E como que isso aconteceu? Com uma margem muito apertada de votos. Mas, principalmente, porque esse é um governo frágil. Não conseguiu maioria no Congresso pra aprovar a lei. Aliás, o voto [contrário à lei] do Netanyahu foi decisivo. Não porque ele quis beneficiar os palestinos, de forma alguma, mas porque ele queria prejudicar a coalizão que p derrubou. São brechas como essas que podemos chegar a ver, mas sem muita esperança. O contexto é o mesmo, a ocupação permanece. Esse não vai ser um governo que vai de forma alguma reverter a política anti-palestina, o sistema de ocupação, nem nada disso. Mas apenas podemos ver a possibilidade de pequenas brechas, que possam favorecer os palestinos assim, no varejo, mas um varejo importante”, avalia a docente. 

Crédito: facebook,com/Palestina

 

Exemplo e solidariedade
“A luta do povo palestino é uma luta de libertação e de emancipação nacional. Também é uma luta por direitos físicos, direitos humanos e direitos políticos”, destaca Arlene Clemesha, ao falar da representatividade da luta palestina. A docente ressalta que o movimento atual é impulsionado por uma juventude que questiona a própria Autoridade Palestina, considerada ineficaz, colaboracionista e até corrupta. 

“Essa juventude palestina está chamando muita atenção mesmo. Ela está resgatando a dimensão da luta palestina enquanto uma luta de libertação e emancipação nacional. E por direitos, em todas as frentes e em todos os aspectos. É o aspecto em que a luta palestina inspira tanto as lutas ao redor de todo mundo. Eu acho que o papel da luta palestina como uma via de inspiração mundial está sendo resgatado de uma maneira impressionante, muito firme e muito nítida”, analisa.

Osvaldo Coggiola corrobora a percepção de que a luta palestina, pelo seu caráter simbólico e estratégico, se trata de uma das mobilizações mais importantes do mundo neste momento. “O povo palestino precisa absolutamente de nossa solidariedade política, material e em todos os sentidos da palavra. Pois eles não só estão sendo discriminados, mas estão sendo completamente excluídos, na medida em que não são mais admitidos na terra em que suas famílias nasceram e se desenvolveram ao longo de séculos. Ou seja, desterrar um povo inteiro de seus territórios, impondo também enormes perdas humanas, se trata também de uma questão de vida ou morte de uma nação e de toda uma população”, reforça. 

O diretor do ANDES-SN destaca dois fatos bastante encorajadores de apoio à luta do povo palestino. Por um lado, em 30 cidades palestinas houve manifestações conjuntas, de árabes e judeus, contra a política de extrema direta do governo. Para ele, é possível antever uma possibilidade de convergência dos oprimidos judeus e palestinos em uma luta contra o governo de extrema direita, que tem claro apoio de governos de extrema direita do mundo inteiro, inclusive do governo Bolsonaro. 

“Outro índice encorajador foi uma manifestação assinada por 230 brasileiros de origem judaica, condenando a política do governo Bolsonaro e condenando as políticas da extrema direita, o que significa que, na comunidade judaica, também existe uma forte sensibilidade contra as políticas de extrema direita que lembram as políticas que quase levaram ao extermínio do povo judeu na 2ª Guerra Mundial, quando Hitler fez essa coisa horrorosa que foi o Holocausto judeu, o maior massacre da história da humanidade num curto período de tempo”, acrescenta. 

* Matéria publicada originalmente no InformANDES de Julho/2021. Acesse aqui o jornal.

* com informações do Esquerda Diário


 

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