Apple, Google, Microsoft e Amazon usaram ouro ilegal de terras indígenas brasileiras

Atualizado em 01 de Agosto de 2022 às 14h53
Garimpo ilegal na Terra Indígena Munduruku. Foto:Marizilda Cruppe/Amazônia Real/Amazon Watch

Você não sabe disso, mas ao ler esta reportagem você pode estar usando ouro extraído ilegalmente de terras indígenas brasileiras. Celulares e computadores das marcas Apple e Microsoft, bem como os superservidores do Google e da Amazon, têm filamentos de ouro em sua composição. Parte desse metal saiu de garimpos ilegais na Amazônia, passou pela mão de atravessadores e organizações até chegar nos dispositivos das quatro empresas mais valiosas do mundo, revela uma investigação da Repórter Brasil.

Documentos obtidos pela reportagem confirmam que essas gigantes da tecnologia compraram, em 2020 e 2021, o metal de diversas refinadoras, entre elas a italiana Chimet, investigada pela Polícia Federal por ser destino do minério extraído de garimpos clandestinos da Terra Indígena Kayapó, e a brasileira Marsam, cuja fornecedora é acusada pelo Ministério Público Federal de provocar danos ambientais por conta da aquisição de ouro ilegal. A extração mineral em terras indígenas brasileiras é inconstitucional, apesar dos esforços do governo Jair Bolsonaro (PL) para legalizá-la.  

Em meio à maior floresta tropical do mundo, o rastro de destruição dessa exploração clandestina é crescente e imensurável. Enquanto o desmatamento e a contaminação dos rios são visíveis, o garimpo pode estar matando pessoas por mercúrio (um metal tóxico) e vem atraindo o crime organizado. Ataques armados de garimpeiros a indígenas têm sido revelados pela imprensa nos últimos anos, como o que aconteceu em maio de 2021 em uma comunidade Yanomami.

Apesar de os órgãos investigadores brasileiros terem provas de que Chimet e Marsam compraram, de maneira indireta, ouro extraído ilegalmente de alguns desses territórios demarcados, as duas refinadoras são certificadas e consideradas “aptas” a vender nos Estados Unidos e na Europa – regiões que exigem maior transparência dos fornecedores de minérios, além de critérios mais rígidos no combate à lavagem de dinheiro, ao financiamento do terrorismo e ao abuso dos direitos humanos.

A Repórter Brasil teve acesso aos documentos que Apple, Google, Microsoft e Amazon são legalmente obrigadas a enviar à Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (Securities and Exchange Commission, ou SEC, na sigla em inglês) com a lista de seus fornecedores, não apenas de ouro, mas também de estanho, tungstênio e tântalo. Entre centenas de refinadoras, constam nas relações a brasileira e a italiana. Os documentos referem-se às aquisições feitas em 2020 e 2021, mas relatórios anteriores a estes também apresentavam as duas refinadoras como fornecedoras.

Arte: Giovana Castro e Thalita Rodrigues/Shake Conteúdo Visual

Empresas listadas na Bolsa de Valores estadunidense devem informar anualmente se usam em suas cadeias produtivas os chamados “minérios de conflitos” (ou minérios oriundos de áreas de risco), exigência criada por uma lei aprovada em 2010 por conta da guerra civil da República Democrática do Congo, onde a exploração mineral ainda financia grupos armados (leia mais sobre o assunto aqui). E o uso do metal vai além das joias e das barras compradas por grandes bancos: produtos eletrônicos responderam por 37% do ouro usado nos Estados Unidos em 2019, de acordo com o Sumário de Comidities Minerais elaborado pelo Serviço Geológico dos EUA.

As certificadoras da Chimet e da Marsam são, respectivamente, a LBMA (The London Bullion Market Association) e a RMI (Responsible Minerals Initiative), organizações que têm como objetivo garantir maior transparência para o setor minerário, “buscar engajamento corporativo sustentável” e realizar auditorias para combater violaçãoes de direitos humanos, lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo, segundo o site das próprias organizações.

Um dos problemas é que, apesar dos episódios de violência provocados pelo garimpo ilegal na Amazônia, essas organizações não consideram o Brasil uma “área de risco”. Enquanto as quatro principais empresas de tecnologia lucraram, juntas, US$ 74 bilhões somente no quarto trimestre de 2021 (quase duas vezes o PIB anual de Camarões), elas parecem não se preocupar com a real origem do ouro que utilizam – nem com os conflitos que ele pode estar alimentando em território brasileiro.

“Tanto a SEC quanto as empresas americanas fecham os olhos para a origem do ouro que chega no país”, lamenta Payal Sampat, diretora do programa de mineração da Earthworks, organização com sede em Washington D.C. que trabalha com os impactos da atividade. A especialista também critica o trabalho da RMI: “não são confiáveis”.

O caso da certificadora cujo nome em português seria “iniciativa dos minerais responsáveis”, a RMI, merece atenção. Ela realiza auditorias de modo a fornecer “informações [das refinadoras] para que as empresas possam tomar decisões de abastecimento mais embasadas”. No entanto, “não certifica ou promove refinarias como ‘confiáveis ​​e sustentáveis’, conforme a entidade esclareceu em nota. A organização tem, como associadas, 400 empresas mundialmente famosas de diversos setores: tecnologia, aviação, indústria automobilística e até empresas de entretenimento. Todas potenciais compradoras da Chimet e da Marsam.

“O Brasil não dispõe de mecanismos confiáveis de rastreabilidade do ouro, por isso há um risco grande de se certificar metal contaminado por violações de direitos humanos em terras indígenas da Amazônia”, afirma Rodrigo Oliveira, assessor jurídico do ISA (Instituto Socioambiental), destacando um estudo que mostrou que 28% do ouro extraído no Brasil tem origem comprovadamente ilegal. “Neste cenário, o papel da SEC é fundamental, uma vez que sociedade e investidores confiam na transparência e veracidade das informações por ela publicadas”.

Procurado pela Repórter Brasil, o governo estadunidense, por meio da SEC, disse que não vai se pronunciar.

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Fonte: Repórter Brasil

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