UFMS implementa ensino remoto compulsório para graduação e pós-graduação

Atualizado em 10 de Julho de 2020 às 15h31
Estudantes que não conseguirem acompanhar são orientados a solicitar trancamento de matrícula. Imagem: Divulgação UFMS

A Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) substituiu, compulsoriamente, as aulas e as atividades presenciais nos dez campi da instituição pelo ensino remoto com uso de ferramentas de Educação a Distância (EaD) e Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), em 17 de março. A decisão foi comunicada à comunidade acadêmica via portaria emitida pela reitoria, sem passar por reunião ou deliberação dos Conselhos Superiores.

Desde então, todos os cursos de graduação e de pós-graduação foram obrigados a aderir à mudança. A administração superior delegou aos dirigentes de unidades e coordenadores de curso a decisão de aplicar a substituição às atividades práticas e estágios. Caso avaliem que não seja possível, tais atividades poderão ser realizadas posteriormente, desde que até o final deste ano. A UFMS já está encerrando o primeiro semestre e deve iniciar o segundo semestre de 2020 no começo de agosto.

“Foi uma decisão da reitoria, por portaria, instituiu uma, depois outra, depois outra. Foi só prorrogando e mudando de nome. Primeiro instituiu o Estudo Dirigido, e fizemos uma crítica porque remete a um modelo lá da década de 1970, contestado pelos pedagogos. Depois, mudaram de nome, e por fim ficou Ensino Remoto”, conta Marco Aurélio Stefanes, presidente da Associação dos Docentes das UFMS (Adufms Seção Sindical do ANDES-SN).

Embora alegue que as medidas demonstram a preocupação da administração superior com a comunidade universitária, a reitoria ignorou as condições sociais e de infraestrutura dos estudantes, bem como do corpo docente, ao determinar a transferência das atividades para o ambiente virtual.

Stefanes explica que não houve qualquer consulta à comunidade, debate ou treinamento antes da imposição da reitoria para a adoção do ensino remoto. Segundo ele, ocorreram ainda ameaças veladas no sentido de que os docentes deveriam “fazer algo para justificar seus salários”.

Ainda de acordo com o docente, aos estudantes que avaliassem não ter condições de se adequar à modalidade e acompanhar o ensino remoto, a reitoria deu a “opção” de trancamento da matrícula. Somente no final de maio foi aberto um edital para a oferta de um auxílio de R$ 50,00 e alguns notebooks da universidade para uso sob a modalidade de empréstimo. No entanto, até o momento, não foi divulgado quantos estudantes serão contemplados.

“Liberaram um vídeo dizendo ‘você prepara a aula EAD desse jeito’. Falando da preparação de material, das tecnologias, mas não teve tempo nem de preparação. Instituíram automaticamente as aulas remotas e falaram ‘quem quiser aprender tá aí’. Não houve curso preparatório, com avaliação, acompanhamento ou monitoramento”, critica.

Para o dirigente, há diversas falhas graves nesse processo. Ele aponta, por exemplo, que há cursos que cerca de 1/3 ou até 50% da grade curricular é composta por atividades em laboratório. Além disso, a UFMS também oferta cursos voltados para Educação no Campo e Educação Indígena, cujos discentes moram em regiões de difícil acesso e sem internet, que serão extremamente prejudicados.

“Houve várias reclamações de alunos e a presença está sendo bem reduzida. Vou dar o exemplo do curso que eu sou do núcleo de docência. Temos 256 alunos, 100 pediram trancamento de matrícula no meu curso que é de Computação. Essa é a realidade que estamos vivendo. Muitos alunos não tem possibilidade de acesso. E tenho cerca de 40% de presença nas aulas. Então, temos uma evasão muito grande nessa modalidade remota”, conta o presidente da Adufms SSind.

Além da dificuldade de acesso dos estudantes, outra questão apontada por Stefanes é que o plano de ensino elaborado no início do semestre foi estabelecido diante de uma realidade e está sendo aplicado de forma completamente diferente da prevista.

“Outra briga nossa é que, na prática, o curso está acontecendo de outra forma e, como não houve planejamento, organização, foi tudo improvisado. Estamos chamando isso de ‘pedagogia do faz de conta’. [Estão] dizendo que estamos ensinando alguma coisa, mas a qualidade disso está indo para o ralo. Não tem nenhuma referência. Metodologicamente está baseado em quê? Isso porque passamos por várias nomenclaturas ao longo do processo, então isso que a gente tá fazendo não tem nem nome. E como isso está chegando para os alunos? A gente não sabe. Como o professor faz? Ele vai lá, grava sua aula, ou faz a aula ao vivo que fica gravada depois para quem não puder assistir no horário, você passa uma atividade e o aluno devolve. Não temos um feedback”, lamenta.

“O que tenho observado também é como os alunos assistem a aula. Como não têm tecnologia [internet e equipamento] suficiente, eles não interagem. Eles ficam trocando mensagem, não perguntam, não falam, não se mostram. É uma coisa distanciada mesmo, bem impessoal o processo”, acrescenta.

O docente conta que foi solicitado à administração um levantamento de quantos alunos teriam condições de fazer atividade, ensino a distância. Segundo ele, a reitoria alegou que não precisava desse diagnóstico. Posteriormente, encaminharam um questionário.

“Alguns responderam que estava bom e para eles foi suficiente. Quem não respondeu tudo bem. Estamos em processo de avaliação institucional agora, e temos 23% de resposta. Isso também é um indicativo de como está a nossa instituição, porque do público total apenas um quarto está respondendo questionário. Eles prorrogaram duas vezes o prazo para resposta da avaliação. A gente não trabalha com dados palpáveis”, afirma.

O diretor da Adufms SSind. relata ainda que, após insistentes cobranças e críticas da Seção Sindical e do Sindicato dos Trabalhadores em Educação UFMS em relação às decisões monocráticas da reitoria, as portarias passaram a ser emitidas como resolução ad referendum dos Conselhos Superiores, que se reuniram já no final de maio para homologar as decisões.

Pressão e Perseguição
Marco Aurélio conta também que os docentes foram pressionados a assinar um termo de responsabilidade pelo conteúdo disponibilizado e pela tecnologia e infraestrutura para a modalidade à distância. “Uma parte significativa dos professores se adaptaram ao modelo e como houve uma ameaça velada de que era necessário trabalhar para justificar o salário. Com isso, acabou que os professores aderiram”, explica.

A orientação da Seção Sindical foi para que os docentes que não se sentissem confortáveis em assinar o documento recusassem, pois na avaliação do jurídico da entidade o mesmo contém ilegalidades. Ele conta que não assinou e segue sofrendo pressão de sua chefia

“Como decidimos que quem se sentisse constrangido não deveria assinar, eu enquanto representante sindical me senti inclusive na obrigação de não assinar, mas estou sendo muito cobrado e pressionado a assinar. Eu já expliquei ao meu chefe por escrito porque eu não assinaria, mas existe essa pressão”, relata.

Além da pressão por pactuar com o ensino remoto, o movimento docente também vem enfrentando também perseguição por parte da administração da UFMS. A ouvidora abriu uma investigação contra o presidente da Seção Sindical pelo uso de plataforma virtual da UFMS para uma plenária de docentes.

“E essa da ouvidoria é porque nós usamos o espaço virtual da universidade e eles estão dizendo que nós usamos de forma indevida o recurso da instituição, para fazer uma atividade que não tinha relação com a universidade. Isso está na ouvidoria, não sei o que vai dar, mas a gente tem sofrido esse tipo de pressão”, conclui.

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