Nem mesmo a multidão de manifestantes em frente à Câmara dos Deputados conseguiu barrar o trator do governo federal, comandado pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Na noite da quarta-feira (9), depois de receber a visita de um grupo de militantes e artistas contrários ao chamado “Pacote da destruição”, o plenário da Câmara aprovou o regime de urgência para a tramitação do nefasto projeto de lei 191/2020, que libera a mineração em terras indígenas.
O requerimento foi apresentado pelo líder do governo Bolsonaro, o deputado Ricardo Barros (PP-PR), e obteve 279 votos a favor e 190 contra. A aprovação foi orientada pelos partidos PP, PL, PSD, PSDB, PV, Novo, Cidadania, Solidariedade, Republicanos e União Brasil. O MDB liberou sua bancada. Podemos, PROS, Avante, Patriota e o bloco PSC-PTB não se manifestaram. Os votos contrários vieram dos partidos PT, PSB, PDT, Psol, PCdoB e Rede.
A votação do regime de urgência permite que o texto pule etapas de tramitação e vá à votação diretamente em Plenário, sem precisar passar por comissões. Arthur Lira anunciou que o projeto será analisado por um grupo de trabalho, nos próximos 30 dias, e deve ser colocado em pauta na primeira quinzena de abril, entre os dias 12 e 14.
Protestos
A aprovação do PL 191/2020 aconteceu sob protestos dentro e fora do plenário. Na Câmara, deputadas e deputados contrários ao texto denunciaram a gravidade do projeto e a contradição em aprovar o regime de urgência sem passar por comissões e até mesmo antes do grupo de trabalho analisar a proposta. Do lado de fora, uma enorme manifestação em frente ao Congresso Nacional, cobrava o arquivamento desse e de outros projetos.
Povos indígenas, diversos representantes de movimentos sociais e sindicais e mais de 40 artistas, entre eles Caetano Veloso, reuniram-se com milhares de manifestantes para o “Ato pela Terra”, em protesto contra os vários projetos de lei que ameaçam o meio ambiente e atacam povos originários e tradicionais, que atualmente tramitam na Câmara e no Senado.
O grupo de artistas entregou, durante a tarde, um manifesto ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), no qual pediram a derrubada do “Pacote Destruição”, que colocam em risco o meio ambiente e também a sobrevivência de povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos do país.
O “Pacote de Destruição” inclui o próprio PL 191, mas também o PL 2.159, que altera as regras do licenciamento ambiental; o PL 2.633 e o PL 510, sobre grilagem de terras públicas; o PL 490, sobre o Marco Temporal para terras indígenas; e o PL 6.299, que ficou conhecido como “PL do Veneno” e que revoga a atual Lei de Agrotóxicos.
“Há 522 anos a Mãe Terra é estuprada pra saquearem dela minérios, diamantes, ouro e agora o potássio com essa desculpa de que a guerra não vai poder fornecer fertilizantes para o agronegócio”, disse. “Eu estou aqui porque não acredito que Vossa Excelência [senador Ricardo Pacheco, presidente do Senado] vai se deixar enganar por esse subterfúgio de que é preciso liberar a mineração nas terras indígenas pra atender essa ganancia das multinacionais. Nós sabemos que há potássio no Sul e Sudeste, mas eles querem a legalização da mineração pra poder derramar sangue nos territórios da Amazônia”, disse Sônia Guajarara, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), durante a entrega da carta dos movimentos e artistas.
Guerra na Ucrânia como desculpa para a guerra contra os povos indígenas
O PL 191/20 está entre as prioridades estabelecidas pelo governo federal para aprovação no Congresso este ano. O projeto libera todo tipo de exploração em terras indígenas, entre elas a mineração, o garimpo, a extração de petróleo e gás, a construção de hidrelétricas, agropecuária e turismo. A proposta favorece mineradoras, madeireiras, o garimpo ilegal, o agronegócio e grandes empreendimentos, à custa de graves ataques ao meio ambiente e as comunidades que vivem no entorno.
Para aprovar a urgência da medida, Bolsonaro que utilizou como pretexto a Guerra da Ucrânia e a falsa necessidade de liberar a mineração. O argumento é que a aprovação da matéria poderia acabar com a dependência do Brasil de fertilizantes importados de países como Rússia e Belarus, uma vez que haveria grandes reservas de potássio em terras indígenas. “Na crise, apareceu uma boa oportunidade pra gente. Temos um projeto que fez dois anos e permite nós explorarmos essas terras indígenas. De acordo com o interesse do índio. Se eles concordarem, podemos explorar minério, fazer hidrelétricas […] Esse projeto já sinaliza uma votação de forma urgente porque estamos numa crise de fertilizantes”, afirmou o presidente.
Entretanto, o argumento é refutado por diversos militantes ambientalistas, parlamentares e especialistas. Muitos apontam que a mineração dentro de terras indígenas teria como resultados impactos gravíssimos para a saúde das comunidades, sua sobrevivência, além de destruição do meio ambiente. As comunidades sequer teriam poder de veto em relação a atividades de mineração e construção de hidrelétricas.
Alegam inclusive que o projeto contraria a Constituição Federal e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. Em junho do ano passado, o Ministério Público Federal divulgou nota pública em que reitera a inconstitucionalidade do PL 191/2020.
Além disso, uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) demonstra que a maioria das jazidas minerais de potássio está fora de territórios indígenas. Baseada em dados do próprio governo, como da Agência Nacional de Mineração (ANM) e do Serviço Geológico Brasileiro, a pesquisa revela que as jazidas de potássio representam apenas 11% do total da Bacia da Amazônia. Já dois terços das reservas se concentram nos estados de Sergipe, São Paulo e Minas Gerais.
Organizações indigenistas e de defesa do meio ambiente acusam o governo Bolsonaro está fazendo aproveitando os impactos da guerra da Ucrânia para avançar em sua guerra contra os povos indígenas e tradicionais, postura que é clara desde o início do seu governo.
“Nós sabemos que há potássio no Sul e Sudeste, mas eles querem a legalização da mineração pra poder derramar sangue nos territórios da Amazônia”, afirmou Sonia Guajajara.
Os contrários ao PL 191/2020 denunciam ainda os interesses de gigantes da mineração e setores do agronegócio para avançar ainda mais sobre terras de povos originários.
Grandes mineradoras - como Vale, Anglo American, Belo Sun, Potássio do Brasil, Mineração Taboca/Mamoré Mineração e Metalúrgica (ambas do Grupo Minsur), Glencore, AngloGold Ashanti e Rio Tinto - possuíam, em novembro de 2021, um total 225 requerimentos minerários ativos com impactos em 34 terras indígenas.
À luta
Para a indígena Kunã Yporã (Raquel Tremembé), integrante da Executiva Nacional da CSP-Conlutas e da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga), a aprovação do PL 191/20 é uma afronta. “Enquanto do lado de fora estava ocorrendo um ato democrático, onde diversos segmentos ecoavam suas insatisfações em relação a essa impactante e inadmissível proposta inconstitucional, do lado de dentro, deputados, como aves de rapina, davam a canetada. Um absurdo”, afirmou.
“Seguiremos mobilizados e organizados contra toda e qualquer forma de retrocesso. Entre os dias 4 e 8 de abril, realizaremos o [Acampamento Terra Livre], e seguiremos durante todo o mês com mobilizações intensas até junho, quando também será retomada a pauta do Marco Temporal no STF”, informou.
Mais agrotóxicos
Nesta quinta-feira (10), o governo Bolsonaro aprovou o registro de 25 novos produtos agrotóxicos. Desde que assumiu o governo, já foram liberados 1654. A nova liberação de registros publicada no Diário Oficial da União (DOU) ocorre um dia depois do Ato Pela Terra, que reuniu milhares de pessoas no Congresso Nacional.
* Com informações da CSP-Conlutas e Mídia Ninja