Debates sobre abolicionismo, encarceramento e anticapacitismo marcam seminários do GTPCEGDS do ANDES-SN 

Atualizado em 27 de Novembro de 2023 às 15h38

publicação original em 23/11

O Grupo de Trabalho de Políticas de Classe para as Questões Étnico-raciais, de Gênero e Diversidade Sexual (GTPCEGDS) do ANDES-SN realizou, nessa quinta-feira (23), o I Seminário Nacional sobre Abolicionismos Penais, Poder Punitivo e Sistema de Justiça Criminal. O evento faz parte de uma série de seminários que discute, ainda, direitos das mulheres, diversidade sexual, racismo, reparação e ações afirmativas. Os seminários cumprem uma deliberação do 41º Congresso do ANDES-SN e ocorrem até o dia 26 de novembro, no auditório da Associação dos Docentes da Universidade Federal de Sergipe (Adufs - Seção Sindical do ANDES-SN), em São Cristovão (SE). 

Antes do início dos debates, as e os docentes de 17 seções sindicais do ANDES-SN foram recebidos pelo bloco percussivo afrocultural “Descidão dos Quilombolas”. Em seguida, houve a instalação da mesa de abertura com uma homenagem à docente e ex-presidenta do ANDES-SN (biênio 2012-2014), Marinalva Oliveira, que faleceu de forma abrupta no dia 27 de outubro.

Participaram da abertura as diretoras da Adufs SSind., a presidenta Josefa Santos, e a diretora Acadêmica e Cultural Edineia Tavares, que também integra o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Neabi/UFS); Iza Negratcha, da Frente pelo Desencarceramento do Sergipe; e Juliana Cordeiro, coordenadora-geral do Sintufs. Pelo ANDES-SN, integraram a mesa, Fran Rebelatto, secretária-geral, Caroline Lima, 1ª secretária e da coordenação do GTPCGEDS, e Bartira Santos, 2ª tesoureira da Regional Nordeste III. 

“O abolicionismo penal e as suas contribuições para as lutas da classe trabalhadora” foi o tema da primeira mesa do seminário. O abolicionismo penal é um movimento que prega o fim da cultura do encarceramento, explicou Carla Benitez, docente da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira (Unilab). 

"Quando falamos em abolição, falamos em uma desconstrução e uma descrença real da pena, da punição, no sentido mais profundo, inclusive, não só a penalização institucional, mas pensar a punição não só pelo Estado, a punição enquanto uma cultura que permeia as relações sociais, o fatalismo e, especificamente, é uma descrença absoluta na prisão e na punição em sentido mais profundo, a cultura punitiva", comentou.

Carla explicou que as penas e as prisões surgem do capitalismo como forma de docilizar e disciplinar os corpos. Essa afirmação, conforme a docente, é correta, mas não é suficiente para entender a realidade brasileira. “Então, a gente pode dizer que sim, é para docilizar corpos, garantir ao máximo os mecanismos de exploração também pelo sistema penal. Mas, para além disso, no Brasil, o sistema penal é um mecanismo, historicamente, em que a espinha dorsal dele está no controle da corporidade negra”, acrescentou.

Segundo a docente da Unilab, o abolicionismo defende que a prisão não reeduca nem ressocializa as pessoas encarceradas. “O sistema penal é reprodutor de racismo e tem um papel de controlar os indesejados da sociedade”, disse em referência à história e à experiência do país, que demonstram que o sistema criminal, a prisão e a polícia não solucionam os problemas sociais. O fim do punitivismo seria o ponto de partida para pensar um novo modelo de sociedade. 

Alexis Pedrão, docente da Faculdade de Direito 8 de julho, reforçou a necessidade de extrapolar o debate sobre abolicionismo penal dos limites da universidade. Ele trouxe uma reflexão sobre o controle social e a violência estatal destinados à população negra, apontando que as relações sociais e o quadro jurídico-institucional em curso, na realidade brasileira, acentuam os elementos que sustentam as desigualdades.

“O cárcere é considerado como parte da estratégia genocida da burguesia branca, uma vez que o encarceramento nas atuais condições do sistema prisional brasileiro representa uma espécie de morte em vida, tamanha são as dores de estar naquele ambiente”, afirmou. 

Pedrão defendeu a descriminação das drogas no país. A lei de combate às drogas de 2006, segundo ele, não define parâmetros para diferenciar a posse de drogas para consumir e a posse para o tráfico e “é um dos fatores que tem colaborado para o aumento do encarceramento de negras e negros, na medida em que o racismo está posto enquanto ideologia que molda a ação dos indivíduos e das instituições”, criticou. Na prática, com a Lei 11.323, fica a cargo de cada juiz ou juíza definir como enquadrar cada réu. 

No período da tarde ocorreu a segunda mesa “Abolicionismo penal e o desdobramento de uma política antipunitivista: um debate interseccional”. A primeira expositora foi Elaine Paixão, articuladora da Agenda Estadual Pelo Desencarceramento na Bahia, que luta há 18 anos por justiça e dignidade das pessoas encarceradas e suas famílias.

Em seu relato, Paixão contou que visitou semanalmente, durante 14 anos, seu companheiro na prisão. Ela contou as condições precárias dos cárceres em que as pessoas privadas de liberdade vivem, forçadas a jejuar por de mais de 15 horas, dividir celas com dezenas de outros presos e sem acesso a objetos básicos de higiene, entre outros problemas. “É uma política de genocídio em curso. Se não mata fora dos presídios, mata-se dentro”, disse. 

Em 2022, a população carcerária do Brasil ultrapassou 830 mil pessoas, de acordo com dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Paixão alerta que o Brasil está em terceiro lugar, em números absolutos, no ranking mundial de países que mais encarceram, atrás apenas dos Estados Unidos e China. Entretanto, conforme Paixão, quando se analisa, proporcionalmente, as populações, o Brasil ultrapassa os demais países. Segundo a Pastoral Carcerária, 67,5% das pessoas encarceradas no Brasil são negras, 46,4% jovens (entre 18 e 29 anos), 56% sem Ensino Fundamental I completo.

“A gente tem assistido também o crescimento do encarceramento feminino nos últimos 20 anos [cerca de 40 mil mulheres em 2021]. E percebemos que, quando encarceram essas mulheres, encarceram seus corpos, as privam de ter e ver os seus filhos, que são tirados de forma tão cruel, e os seus companheiros, porque o casamento dessas mulheres acaba no dia em que ela entra no cárcere”, pontuou.

Paixão, que tem combatido o encarceramento em massa e as violências produzidas pelo sistema prisional, compartilhou a situação no seu estado, que vive uma escalada da violência policial. “Na Bahia, a polícia está seguindo uma política de genocídio”. Em 2022, as polícias da Bahia mataram 1.464 pessoas em intervenções, representando 22,7% do total das 6.430 mortes das polícias no ano passado em todo o país, conforme o Anuário. Em 2015, o número de mortes por intervenções policiais na Bahia foi de 354, em sete anos o aumento foi de 313%.

Paula Alves, docente da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e coordenadora do programa de extensão Prisões e Pandemia no estado de Mato Grosso, reforçou que a luta anticárcere e antipunistiva é antirracista. Ela enumerou elementos iniciais para pensar um modelo abolicionista no seu sentido tático até a abolição da prisão e a superação do modelo punitivista no país.

“Primeiro, o fim imediato da força tarefa de intervenção penitenciária criada Portaria 93, de 23 de janeiro de 2017, que trata de intervenção militar dentro dos presídios. Segundo, a não privatização de presídios. A Bahia tem passado por esse processo. Minas Gerais já têm um legado. Terceiro, a necessidade do mapeamento e denúncia da 'Bancada da Jaula'. Quem são os lobistas que estão lucrando diretamente com essas privatizações? E, ainda, a revogação das leis de Drogas, Antiterrorismo, das organizações criminosas, do fim da polícia militar, o fortalecimento de uma política de memória, não só de presos políticos, mas de torturados e de transparência e de memória também dos nossos massacres nas prisões”, disse.  

III Seminário Integrado do GTPCEGDS ANDES-SN
O painel “A luta das pessoas com deficiência e a luta anticapacitista no âmbito do Sindicato” fez parte do III Seminário Integrado do GTPCEGDS ANDES-SN. Fernanda Vicari, presidenta da Associação Gaúcha de Distrofia Muscular (Agadim), apresentou um breve histórico do movimento de pessoas com deficiência (PCD) no Brasil desde a década de 1980 até os dias atuais e citou algumas leis consideradas vitórias para o movimento de pessoas com deficiência, como a Lei nº 13.146 – Lei Brasileira de Inclusão (LBI) da pessoa com deficiência. 


“Nós [pessoas com deficiência] somos menos de 2% no mercado de trabalho formal, e os homens são a maioria dos que ocupam esses postos de trabalho, mesmo as mulheres sendo a maioria das PCD no país. Eu tinha 30 anos quando eu consegui o meu primeiro emprego, já era formada há mais de 5 anos, e quando a gente fala da luta anticapacitista, isso dialoga muito com a nossa dificuldade de inserção no mercado de trabalho, a nossa dificuldade de sermos reconhecidas enquanto trabalhadoras”, contou Vicari, que afirmou que não há como desvincular a luta anticapacitista da luta anticapitalista.

“Quem está comprometido em mudar? A luta anticapacitista é muito além das questões de acessibilidade, se constrói na participação de espaços políticos, acadêmicos e tantos outros lugares. A deficiência não pode ser percebida como uma experiência e tragédia pessoal, individual, que pertence a determinado sujeito”, afirmou. E provocou: “Nosso corpos incomodam, nossa existência causa repulsa e insistir nessa funcionalidade só serve para alimentar um sistema capitalista de exploração”, ressaltou a presidente da Agadim, que também é mestranda do curso de Serviço Social na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Fernanda Vicari acrescentou que fazer parte da luta anticapacitista é “compreender a existência da deficiência como uma das características da diversidade humana, não reproduzir estereótipos, não infantilizar as pessoas com deficiência, se posicionar em situações de preconceitos e não invisibilizar a nossa atuação”. 

Helga Martins, da coordenação do GTPCEGDS e que coordenou a mesa, relembrou a atuação de Marinalva Oliveira na luta anticapacitista e em defesa dos direitos das pessoas com deficiência, e também a perda repentina da psicológica Laureane Costa, do Coletivo Helen Keller, associação de mulheres com deficiência. 

“O dia de hoje foi um dia marcado pela necessidade de lutarmos por outra política de segurança pública, pela importância da luta anticapacitista e de articularmos uma política sindical que fortaleça as pautas e as bandeiras das e dos docentes com deficiência”, avaliou Caroline Lima, que fez a relatoria da última mesa.

Os seminários do GTPCEGDS continuam na sexta (24) com o V Seminário Nacional de Reparação e Ações Afirmativas do ANDES-SN. Antes do evento, as e os docentes irão participar de um ato público da agenda do Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres.

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